Até o momento que escrevo esse texto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não regulamentou a política de comercialização e distribuição do produto autoteste para covid-19 no Brasil.
O embate acontece em função da complexidade do tema. Apesar do autoteste para covid-19 ser uma ferramenta com potencial utilidade, principalmente para monitoramento da situação epidemiológica e direcionamento nos esforços para contenção da pandemia no território nacional, aprendemos com os testes rápidos para detecção de antígenos do SARS-CoV-2, coletados por profissionais da saúde, que a performance e acurácia destes testes são variáveis, de acordo com o fabricante.
Por esta razão, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), uniram-se em um grande esforço para promover a avaliação de kits de diagnóstico para SARS-CoV-2, disponíveis no mercado brasileiro (Programa de Avaliação de Kits de Coronavírus).
Em relação à autotestagem, na qual o próprio paciente realiza a coleta, os dados sobre a sensibilidade em diagnosticar a covid-19 são ainda mais limitados. O teste de antígeno, apesar de ser considerado um teste de fácil realização, exige cuidados com relação ao seu correto manuseio e interpretação do resultado, pontos de preocupação no momento da utilização deste teste pelo próprio paciente para fins diagnósticos ou mesmo legais.
Um estudo publicado em julho de 2021, que avaliou 3.201 participantes que realizaram o autoteste, demonstrou uma especificidade maior que 99% com sensibilidade, variando de 76.1% a 80% ( Stohr et al. Clinical Microbiolgy Infection 2021 ), podendo ser inferior a esta, dependendo da qualidade do procedimento de coleta.
Além dos riscos envolvidos na qualidade, na coleta, na interpretação e diagnóstico, há ainda um outro risco importante. Por ser um autoteste, não há laudo laboratorial e não sabemos se existirá uma obrigatoriedade de notificação, que garante a rastreabilidade e monitoramento epidemiológico pelas autoridades sanitárias.
Também estamos em um cenário cada vez mais complexo, de novas variantes de covid-19, o novo surto de H3N2, um subtipo do vírus Influenza A, que dificulta a interpretação de sintomas e reforça a importância do exame laboratorial no diagnóstico diferencial das patologias virais respiratórias agudas, contribuindo para correta conduta clínica do médico assistente.
A SBPC/ML destaca a importância da autotestagem neste momento de pandemia, como estratégia de triagem no monitoramento da situação epidemiológica para prevenir e interromper a cadeia de transmissão, mas recomenda cautela na implementação e reforça a importância do cumprimento dos bons preceitos das práticas laboratoriais para o auxílio de diagnósticos precisos e que agreguem no combate à covid-19.