Julho Amarelo: “Exames de hepatite na rotina médica para detecção precoce são fundamentais”, alerta patologista clínico da SBPC/ML

O desafio da infecção é a ausência de sintomas e sinais precoces da doença, o que dificulta o diagnóstico

O desafio da infecção é a ausência de sintomas e sinais precoces da doença, o que dificulta o diagnóstico. Por isso, é crucial que a comunidade médica solicite sorologias e exames de rotina e discuta a imunização para prevenção das hepatites A e B. Levantamento brasileiro realizado pelo Einstein, no âmbito do projeto PROADI-SUS, coordenado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Ministério da Saúde, aponta que a hepatite A segue causando surtos em adultos jovens, principalmente nas regiões Sul e Sudeste e reforça importância da vacinação

A hepatite é a segunda doença infecciosa que mais causa vítimas fatais no mundo – são 1,3 milhão de mortes anuais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, as hepatites mais comuns são dos tipos A, B e C. A hepatite D ou Delta é mais frequente na região Norte e a hepatite E é a menos comum. No Brasil, a luta contra as hepatites B e C é uma prioridade de saúde pública e agora crescem as campanhas para vacinação e prevenção à hepatite A, que segue provocando surtos, sobretudo em homens que fazem sexo com outros homens. O risco de contaminação por hepatites atinge também pessoas que consomem peixes e frutos do mar crus, que utilizam drogas injetáveis compartilhadas, que não possuem o hábito de higienizar as mãos com frequência, podendo ser causada por vírus, bactérias, e até mesmo uso excessivo de medicamentos ou ingestão de álcool.

Para João Renato Rebello Pinho, patologista clínico membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), e coordenador médico do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, é necessário que os exames para hepatite entrem na rotina médica, pois a doença é silenciosa, e quanto mais cedo se inicie o tratamento, mais chances de controlar os sintomas.

“O diagnóstico da doença é feito por meio de exame de sangue, que detecta a presença de anticorpos contra o vírus no organismo. Tanto a hepatite B quanto a hepatite C têm tratamento se chegarem à fase crônica, evitando que a doença evolua para cirrose hepática e suas complicações, incluindo transplante hepático e câncer de fígado”, diz.

Segundo o médico, no caso da hepatite B, testes para antígenos (HBsAg, HBeAg) e anticorpos (Anti-HBc IgM/IgG, Anti-HBs) são essenciais. Para a hepatite C, a triagem começa com o anti-HCV, seguido de teste de carga viral para confirmação de infecção ativa. E para o diagnóstico da hepatite A, o marcador principal é o anticorpo IgM anti-HAV, que indica infecção recente. Já o IgG anti-HAV mostra se há imunidade, seja por infecção passada ou vacinação. “Em situações de surto, esses testes são fundamentais para mapear rapidamente a situação e isolar casos ativos. Podemos saber se é infecção aguda ou crônica, bem como infecções ou vacinações prévias. Quando o resultado é reativo, indica a presença da infecção, e realiza-se a medição de carga viral, que é essencial para um diagnóstico definitivo”, orienta o especialista da SBPC/ML.

Rebello lembra que a imunidade prévia ou vacinação atinge cerca de 78% da população analisada.
“Mesmo com a vacinação alta, ainda encontramos surtos concentrados em grupos específicos. É um alerta para mantermos estratégias de vacinação mais eficazes e temos que reforçar campanhas de conscientização. “A hepatite é uma doença que pode ser evitada com vacina, higiene adequada e acesso à saneamento e água potável. Nossa experiência mostra onde estão os maiores riscos e como podemos proteger essas pessoas. É fundamental que a sociedade e os gestores de saúde olhem para esses dados com responsabilidade”, destaca Pinho, da SBPC/ML.

Surtos de hepatite A exigem mais esforços – De acordo com o Ministério da Saúde, somente em 2023 foram notificados 2.080 casos de hepatite A no país – 90% em adultos, sendo quase 70% em homens. Em Curitiba, um surto registrado em 2024 somou mais 315 casos e cinco óbitos. “Esses números deixam claro que a hepatite A não é mais restrita à infância. É preciso combinar a vacinação em massa com o uso criterioso dos exames laboratoriais para detectar casos ativos e avaliar a imunidade da população”, reforça o especialista.

Um novo estudo brasileiro lança luz sobre um tema. Publicado no Journal of Medical Virology, investigou mais de 1.700 casos suspeitos de hepatite aguda em todas as regiões do país, no âmbito do projeto PROADI-SUS, coordenado pelo Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o Ministério da Saúde. O estudo identificou infecção ativa pelo vírus da hepatite A (HAV) em 6,3% dos casos analisados – 80% deles em homens jovens. Todos os casos genotipados pertenciam ao sub genótipo I.A, com cerca de 450 mutações identificadas, algumas inéditas e potencialmente capazes de influenciar o comportamento do vírus e a resposta à vacina.

“A hepatite A é classicamente associada a saneamento básico, mas estamos vendo uma nova dinâmica, com transmissão sexual importante. Por isso, os médicos devem solicitar os exames sorológicos adequados, tanto para diagnosticar infecções agudas como para checar a imunidade adquirida”, explica João Renato.

Desde 2014, a vacina contra hepatite A integra o calendário infantil do SUS, com dose única aos 15 meses. Essa política ajudou a reduzir drasticamente os casos na infância, mas o aumento de surtos em adultos evidencia a necessidade de ampliar a cobertura vacinal e reforçar ações de educação em saúde.

Os dados também reforçam a relação entre saneamento básico e proteção contra o vírus: enquanto a região Norte apresentou maior prevalência de anticorpos – reflexo de vacinação ou exposição prévia – a região Sul, com menores índices de imunidade, concentrou a maior parte das infecções ativas.

“Nossa pesquisa mostra onde estão os maiores riscos e como podemos proteger essas pessoas. É fundamental que a sociedade e os gestores de saúde olhem para esses dados com responsabilidade. Além da vacina, práticas de sexo seguro, saneamento básico e higiene pessoal continuam sendo pilares essenciais na prevenção da hepatite A e de outras hepatites virais. Combinando vacinação e diagnóstico laboratorial, podemos avançar rumo à meta de eliminação das hepatites como problema de saúde pública”, conclui João Renato Rebello Pinho, da SBPC/ML.