Sandra Franco
As operadoras de planos de saúde amargaram no ano passado um prejuízo de mais de R$ 10 bilhões em 2022. Além disso, em setembro de 2022, o setor apurou uma taxa de sinistralidade recorde de 93,5%. Desde 2021, há um aumento recorrente de procedimentos médicos devido a uma combinação de atendimentos represados durante a pandemia, surgimento de novas doenças e tratamentos. Assim, o foco das empresas do setor é reajustar o preço dos convênios. Nos planos voltados a pequenas e médias empresas, os aumentos devem ser de 16% a 25%.
Resultado direto dessa situação negativa de caixa é que as operadoras passaram a renegociar e atrasar pagamentos com os hospitais e prestadores de serviço. Não são poucos os médicos e hospitais que reclamam de crescentes glosas e de exigências cada vez maiores para que os pagamentos sejam realizados. Uma mudança recente das operadoras tem sido a exigência de comprovantes de pagamento de desembolso de honorários aos médicos, por exemplo, quando já se tem um recibo ou Nota Fiscal comprovando o gasto. Seria uma forma de retardar reembolsos?
Segundo as operadoras, tal exigência se deve ao crescente aumento de fraudes. Pacientes que fazem procedimentos estéticos não cobertos por seus planos e que declaram como procedimentos terapêuticos, como exemplo.
Recente decisão da Justiça de São Paulo determinou que clínicas e laboratórios se abstenham de solicitar login e senha de pacientes ou realizem pedido de reembolso em nome deles. Ao decidir, a magistrada constatou que estabelecimentos “engendraram verdadeira arquitetura para burlar sistema de reembolso e daquilo que está autorizado a ser reembolsado nos contratos”.
De acordo com o processo, clínicas e laboratórios médicos estariam envolvidos em um esquema de adulteração de quadro clínico e solicitações de reembolso, em nome de beneficiários de planos de saúde, chamado de “reembolso assistido”. Ou seja, já está se criando uma jurisprudência desfavorável para paciente e médicos, já que é comum que pacientes passem para as recepcionistas a tarefa (juntamente com login) de fazer o pedido de reembolso.
O que se via como preocupante era a necessidade de se criar uma segurança maior para o sistema, inclusive no uso que se refere ao tratamento desses dados.
Sob o ponto de vista da LGPD, cabe às clínicas ter o consentimento do paciente para o tratamento e uso desses dados, com transparência quanto à finalidade e o descarte do login e senha.
Outra causa para os números desfavoráveis, segundo as operadoras, estaria no aumento do rol de procedimentos com cobertura obrigatória. No entanto, não há estudos comparativos sobre o quantum que o aumento da lista de procedimentos de fato representou.
Durante a pandemia, houve aumento no custo de insumos e no preço de medicamentos, que também não voltaram às condições anteriores quando cessada a pandemia. Outro fator que soma à crise.
Nessa busca de causas para justificar a crise, está a preocupação com a fixação de um piso para os profissionais da enfermagem, o que poderia (ou irá) resultar em aumento de custos. Para aquelas operadoras com rede própria, o impacto seria imediato, resultando em demissões ou, claro, aumento de mensalidades para o consumidor.
Ocorre que algumas operadoras promovem ajustes nas mensalidades que sequer conseguem justificar. Vários consumidores têm recorrido ao Judiciário para questionar os aumentos que consideram abusivos, enquanto as operadoras os chamam de necessários para o equilíbrio financeiro.
Um dos grandes eixos para a virada desta balança negativa poderia ser o investimento das operadoras em prevenção. Se o foco das empresas mirar a promoção à saúde, com programas de incentivo à prática de esportes, de uma melhor alimentação e um acompanhamento regular de médicos generalistas, sem dúvida esses resultados poderão ser diferentes em um futuro breve. Mas é necessário começar: por exemplo, quais os benefícios financeiros que um usuário diabético tem ao aderir a um programa de controle de alimentação de realização de exercícios físicos?
Outra mudança que já tem se mostrado efetiva está na diminuição da rede credenciada, criação de planos com menos abrangência geográfica. Esse tipo de medida, por vezes, provoca um outro problema: a excessiva judicialização por coberturas que, muitas vezes, sequer tem previsão contratual. O fato: a defesa das operadas possui um custo elevado a computar.
Uma mudança cultural precisa ocorrer na forma como beneficiários usam seus planos de saúde. Não se deve fazer todos os exames disponíveis em um laboratório só “porque o plano cobre’. Esse pensamento é de quem não se dá conta do princípio do mutualismo: todos pagam o que um realiza. Hoje, novos modelos são estudados e alguns já aplicados: a coparticipação, a limitação de atendimentos e de pedidos de exames, a obrigatoriedade de consulta a um generalista antes de um especialista, o incentivo ao uso da telemedicina.
Atualmente, estamos presos a um sistema de saúde que só foca no tratamento das doenças. Ou seja, os usuários-pacientes de planos de saúde só utilizam os serviços em tratamentos de doenças crônicas ou emergências. Existem poucos projetos com foco na prevenção. Um maior incentivo nas práticas de prevenção, certamente, mudaria o rumo do mercado e tornaria a vida das empresas e de seus pacientes mais saudáveis. Tivemos também, sem dúvidas, um forte impacto da pandemia da Covid-19 e todos os problemas relacionados a saúde que ela causou em milhões de brasileiros. E isso, logicamente, refletiu nas empresas nesses últimos anos. Necessário discutir sobre o sistema de saúde suplementar. Ele é essencial para a saúde do SUS – imagine o que ocorrerá se todos os 50 milhões de beneficiários de planos privado migrarem para o sistema público?
Ou seja, é interesse de toda a sociedade encontrar um equilíbrio financeiro para o sistema, marcado, porém, pela transparência com o beneficiário. Frear a excessiva busca por lucros cada vez maiores pode também fazer bem à saúde suplementar e a de todos.
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública, MBA-FGV em Gestão de Serviços em Saúde, diretora jurídica da Abcis, consultora jurídica da ABORLCCF, especialista em Telemedicina e Proteção de Dados, fundadora e ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) entre 2013 e 2018