O diagnóstico do mieloma múltiplo no Brasil ainda acontece, em muitos casos, tarde demais. E isso não é apenas um desafio clínico, é um problema de tempo. Tempo perdido até que os sintomas sejam reconhecidos, tempo consumido por fluxos diagnósticos pouco eficientes e tempo precioso que deixa de ser aproveitado para iniciar o tratamento no momento mais adequado.
Trata-se de um câncer que se origina nas células da medula óssea responsáveis pela produção de anticorpos. Quando essas células se multiplicam de forma descontrolada, o sistema imunológico é comprometido e surgem complicações relevantes, como anemia, fraqueza, lesões ósseas e alterações na função renal, impactando diretamente a qualidade de vida do paciente.
Um dos principais entraves está no início da jornada. Os primeiros sinais do mieloma costumam se manifestar de forma pouco específica: dores ósseas persistentes, especialmente nas costas, fadiga constante, perda de peso e sensação de fraqueza. São sintomas comuns a diversas condições e, justamente por isso, frequentemente subestimados. Essa ambiguidade clínica torna o diagnóstico mais desafiador, mas não deveria resultar em atrasos tão prolongados.
Com mais de uma década de atuação no setor de diagnósticos e uma visão próxima da realidade latino-americana, é evidente como o atraso na identificação do mieloma compromete o cuidado ao paciente. Isso ocorre mesmo em um contexto no qual o conhecimento científico já está disponível e existem tecnologias capazes de tornar esse processo mais rápido e preciso.
Hoje, ferramentas laboratoriais amplamente aceitas pela comunidade científica internacional permitem identificar alterações associadas ao mieloma com maior clareza. Esses recursos oferecem informações mais consistentes para apoiar decisões médicas e reduzir incertezas em etapas críticas do diagnóstico.
Apesar disso, parte dessa tecnologia, já consolidada globalmente, ainda encontra dificuldades para avançar no acesso público no Brasil. Essa lacuna cria um descompasso preocupante. A dependência exclusiva de métodos tradicionais, que nem sempre capturam aspectos importantes da doença, reduz as chances de encaminhamento precoce ao tratamento e diminui a eficiência do sistema de saúde como um todo.
Do ponto de vista das políticas públicas, o debate não passa pela criação de novas soluções, mas pela adoção estruturada daquilo que já demonstrou resultados. O país tem exemplos claros de sucesso quando atualiza seus protocolos de testagem: a incorporação de tecnologias inovadoras costuma trazer ganhos objetivos em qualidade, padronização e capacidade de resposta. No caso do mieloma, essa lógica precisa ser aplicada com a mesma seriedade.
Esse avanço depende de três ações complementares. A primeira é o reconhecimento institucional de que métodos mais recentes oferecem maior precisão e rapidez em comparação aos modelos exclusivamente tradicionais. A segunda é a capacitação contínua dos profissionais de saúde, garantindo que equipes em diferentes regiões do país estejam preparadas para utilizar essas ferramentas de forma adequada. A terceira é a incorporação dessas tecnologias ao SUS de maneira planejada, sustentável e alinhada ao impacto clínico já reconhecido pela comunidade científica.
Em um país de dimensões continentais como o Brasil, ampliar o acesso a diagnósticos mais completos e ágeis significa assegurar que o paciente tenha a chance de iniciar o tratamento no tempo correto. Isso se traduz em melhor qualidade de vida, maior previsibilidade para o sistema de saúde e uso mais eficiente dos recursos públicos.
As condições para esse avanço já existem. O que falta é acelerar a tomada de decisão. Para quem convive com o mieloma, o tempo não é um detalhe — é um fator determinante. E o diagnóstico não pode continuar esperando.
**Fulvio Fucco é Country Manager da Thermo Fisher Scientific e da Binding Site LATAM. O executivo também é Presidente do Conselho Administrativo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL).

