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Opinião



                     Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum
                     Professor Titular pela UNESP
                     Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia,
                     Acadêmico da ARLC
                     a.c.t@terra.com.br


            Resultados irreais em hemogramas causados por eritroblastos

         Normalmente os eritroblastos estão presentes   ou  por  qualquer  condição  de  hipóxia  neonatal   há  importantes  interferências  nas  contagens
       na medula óssea como componentes da linhagem   passageira.                            de  leucócitos.  Por  exemplo:  leucograma  obtido
       celular  que  forma  os  eritrócitos.  O  aparecimento   Tecnicamente  a  avaliação  da  presença  de   no  contador  automatizado  resultou  em  17  mil
       destas células no sangue circulante ocorre na   eritroblastos no sangue é feita através da pesquisa   leucócitos/mm3,  ou  seja,  leucocitose  moderada.
       maioria das vezes por razões patológicas, e também   citológica em microscópio óptico com aumento de   Por  conta  da  leucocitose  examinou-se  a  lâmina
       por decorrências fisiológicas.             1.000x,  uma  vez  que  estas  células,  por  conterem   com  o  esfregaço  de  sangue  do  paciente,  onde
         As  patologias  mais  frequentes  que  induzem  o   núcleo, são computadas como se fossem leucócitos   foram identificados 70 eritroblastos em contagem
       lançamento de eritroblastos da medula óssea para   em  contadores  automatizados  para  células  do   de  100  leucócitos  no  microscópio*,  ou  seja,  um
       o sangue circulante se devem a:            sangue.                                    total  de  170  células  nucleadas  (eritroblastos  +
         (a) anemias graves por qualquer causa;      A  contagem numérica  de  eritroblastos  no   leucócitos).  Portanto,  os  17  mil  leucócitos/mm3
         (b)   anemias   hemolíticas   adquiridas   por   sangue  se  faz  durante  a  contagem  diferencial  de   contados também continham a soma de leucócitos
       autoimunidade, malária, transfusões incompatíveis   100 leucócitos em microscópio óptico.   + eritroblastos.
       de sangue do sistema ABO, microangiopatias etc.;   Exemplo  de  situação  fisiológica:  em  alguns   Esta  questão  é  resolvida  com  a  seguinte
         (c) anemias hemolíticas hereditárias por doença   recém-nascidos normais é comum observar entre 3   regra  de  três:  170  células  nucleadas  (leucócitos
       falciforme,  talassemia  beta  maior,  deficiência   a 10 eritroblastos por 100 leucócitos contados em   +  eritroblastos)  está  para  17.000  leucócitos  +
       acentuada   da   enzima   G6PD,   esferocitose   microscópio.                         eritroblastos/mm3;  enquanto  que  100  leucócitos
       homozigota etc.;                              Exemplo  de  situação  patológica:  em  recém-  estará para X leucócitos/mm3. O resultado de X foi
         (d)  eritroblastose  fetal  por  incompatibilidade   nascidos  prematuros,  ou  que  tiveram  hipóxia   10  mil  leucócitos/mm3,  ou  seja,  o  paciente  tinha
       do sistema Rh do feto (Rh+) em relação ao da mãe   neonatal prolongada, entre outras intercorrências,   quantidade normal de leucócitos.
       (Rh-);                                     é  comum  identificar  mais  de  10  eritroblastos  por   A pergunta que se faz com constância é:
         (e) eritroblastose fetal na síndrome de hidropsia   100 leucócitos contados em microscópio. Destaque   -   Quando e como se deve relatar a presença
       fetal causada por talassemia alfa homozigota;   importante:  se  a  persistência  de  eritroblastos  no   de eritroblastos no laudo hematológico?
         (f)  outras  causas  hematológicas:  leucemias,   sangue de recém-nascido ultrapassar uma semana   Resposta:  A  presença  de  um  ou  mais
       síndrome  mielodisplásica,    mieloma  múltiplo,   é  possível  que  haja  patologia  grave  relacionada   eritroblasto  no  sangue/100  leucócitos  contados
       hemoglobinúria  paroxística  noturna,    policitemia   com neoplasia maligna ou doença de medula óssea,   no  microscópio,  deve  ser  relatada  na  proporção
       vera e hematopoiese extra medular;         principalmente.                            encontrada, e quando esta proporção for superior
         (g)  causas  não  hematológicas:  sepse,  doença   Em sangue de crianças, adolescentes, adultos e   a  10  eritroblastos/100  leucócitos  deve-se  aplicar  a
       inflamatória intestinal, transplante de rim, uremia,   idosos  também  podem  aparecer  eritroblastos  por   fórmula da regra de três acima exemplificada para
       doença  hepática  grave,  queimadura,  cetoacidose   conta das várias patologias acima apresentadas.   corrigir a contagem de leucócitos.
       diabética,    quimioterapia,  hipóxia  acentuada   Por todas essas razões, quando que se detecta
       e  incapacidade  funcional  do  baço  (asplenia  ou   a presença de eritroblastos no sangue é necessário    * Para contar 100 leucócitos é necessário pesquisar
       hipoesplenia).                             obter informações do estado clínico do(a) paciente;   entre 50 e 150 campos microscópios, que variam conforme
                                                                                             a  quantidade  de  leucócitos  e  a  espessura  do  esfregaço.
           A  presença  de  eritroblastos  no  sangue   a  interlocução  com  o  médico  do(a)  paciente   Mesmo  que  não  se  encontre  leucócito(s)  em  alguns
       periférico por causa fisiológica geralmente não têm   também é importante e esclarecedora.  campos, mas havendo nestes um ou mais eritroblastos, os
       consequências clínicas. Ela ocorre em alguns recém-  Nos casos em que a quantidade de eritroblasto   mesmos  são  contabilizados  à  parte,  até  o  momento  em
       nascidos submetidos ao estresse do nascimento,   supera  10  células  para  100  leucócitos  contados,   que se atinge a marca de 100 leucócitos contados.




                     Dr. Yussif Ali Mere Jr
                     Presidente da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e
                     Laboratórios de Ribeirão Preto e Região (FEHOESP e SindRibeirão)
                     presidencia@fehoesp.org.br


            Convivendo com a pandemia e a pós-pandemia ao mesmo tempo


          Enquanto  alguns  países  construíram  um  legado   seguem  ignorado  como  se  o  fato  não  existisse.   afastamento  por  motivos  de  saúde,  inclusive  com
       com  toda  a  experiência  vivida  desde  o  advento  do   Enquanto  isso,  pesquisa  do  SindHosp-  Sindicato   níveis graves de estresse emocional, ou falecimento
       novo  coronavírus  e,  apesar  de  todos  os  reveses,   dos  Hospitais,  Clínicas  e  Laboratórios  do  Estado   de  profissionais  de  saúde.  Num  país  com  índices
       partem  para  o  início  da  Era  Pós-Pandemia,  o  Brasil   de São Paulo – já em sua 18ª edição e que levantou   alarmantes de desemprego, não conseguir repor esse
       ainda convive com a pandemia ao mesmo tempo em   quinzenalmente vários indicadores da pandemia nos   quadro é um agravante sobre o agravante.
       que já enfrenta as consequências do pós.   hospitais paulistas – mostra que voltam à internação   Pesquisa  da  Fiocruz,  divulgada  em  março  deste
          Os  casos  novos  e  mortes  vêm  caindo,  porém   idosos  que  receberam  a  vacina  há  mais  tempo  e   ano, mostrou que profissionais da saúde entrevistados
       graças  à  vacinação  que  avança,  mas  não  por  causa   podem começar a apresentar queda da imunidade e/  relataram  perturbação  do  sono,  irritabilidade/choro
       da  adoção  em  massa  de  medidas  de  segurança  e   ou ter relaxado as medidas de autoproteção.  frequente/distúrbios  em  geral,  incapacidade  de
       confiança  na  ciência.  Enquanto  isso,  as  escolas,   A pesquisa do SindHosp, realizada de 12 a 17 de   relaxar/estresse e vários outros problemas de saúde.
       só  para  citar  um  exemplo,  já  começam  a  voltar   agosto com 60 hospitais privados paulistas, sendo 27%   Também bastante preocupante foi o fato de 90%
       com  o  funcionamento  presencial;  ou  seja,  é  a  vida   da capital e 73% do interior e que somam 2.470 leitos   dos  profissionais  de  saúde  entrevistados  admitirem
       pós-pandemia  já  acontecendo,  antes  mesmo  de   de UTI e 4.762 leitos clínicos, mostra que em 60% das   que  as  falsas  notícias  são  verdadeiro  obstáculo  no
       controlarmos a Covid-19.                   instituições participantes a faixa etária mais frequente   combate ao novo coronavírus. No atendimento, 76%
          A população, especialmente a que vive em estado   dos  pacientes  internados  por  Covid-19  em  leitos  de   relataram que o paciente tinha algum tipo de crença
       de vulnerabilidade, não foi acolhida com campanhas   UTI está acima dos 70 anos. Também na internação   referente às fake news.
       educativas, que deveriam acontecer no início de 2020,   em  leitos  clínicos  para  Covid,  52%  dos  doentes  têm   Se, por um lado, o Brasil ainda não pode entrar no
       e  a  flexibilização  do  isolamento  surge  com  ares  de   mais de 70 anos.          grupo dos que seguem para o pós-pandemia porque
       volta ao ambiente anterior à pandemia. Novamente,   No levantamento do SindHosp, 50% dos hospitais   não construímos um legado que ajude no planejamento
       os dois cenários acontecendo concomitantemente.  apontam  como  maior  problema  no  enfrentamento   de  um  cenário  futuro  mais  resiliente  e  seguro,  por
          As  instituições  de  saúde  não  vivem  mais  com  o   à  pandemia  o  afastamento  de  colaboradores  por   outro,  o  papel  da  iniciativa  privada  empenhando
       acúmulo de pacientes de COVID-19 e a falta de leitos,   problemas de saúde; 39% apontam a falta de outros   doações significativas, dos pesquisadores e do pessoal
       mas convivem com a falta de profissionais de saúde.   profissionais de saúde e 11% a falta de médicos. 62%   da linha de frente mostra que há um Brasil que soube
       Pior,  enfrentam,  também,  as  consequências  do   dos hospitais têm encontrado problema na reposição   viver e enfrentar o caos. É neste que temos de confiar e
       esgotamento emocional dos que seguem no trabalho.  de  funcionários.  Desde  o  início  da  pandemia,  as   recrutar para a segunda batalha que é construir o pós-
          O  luto  foi  e  ainda  é  grande,  mas  autoridades   instituições  de  saúde  vêm  penando  com  a  falta,   pandeia que, aliás, já é realidade.
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