O laboratório clínico é parte importante do sistema de saúde e contribui diretamente para ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e gerenciamento de doenças. Também tem importante papel na vigilância epidemiológica e como parte integrante de protocolos e diretrizes clínicas baseadas em evidências científicas.
Como integrante da cadeia de assistência à saúde, onde desempenha papel vital, o laboratório clínico contribui para mais de 70% das decisões médicas, como por exemplo: admissão de pacientes em unidades de saúde, diagnóstico e prognóstico de doenças, seleção de terapia mais adequada, avaliação da resposta aos tratamentos e de critério de cura ou de altas hospitalares; e para a determinação de fatores de risco e de estados biológicos, como a avaliação da eficácia de imunização e iniciativas de prevenção de doenças e promoção da saúde.
Em 2011, o Instituto de Medicina (IOM) incluiu os laboratórios clínicos entre as dez categorias de serviços essenciais do sistema de saúde dos Estados Unidos, definindo um novo marco para esse setor. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerando que, sem acesso a exames laboratoriais não é possível que os provedores de saúde definam diagnósticos e, consequentemente, indiquem tratamentos apropriados, publicou a primeira lista de 113 exames essenciais, reconhecendo que os exames laboratoriais representam um componente essencial para a cobertura universal de saúde, sendo úteis em casos de emergências em saúde e no auxílio à promoção de saúde populacional. A segunda versão dessa lista foi ampliada e republicada em 2019, quando foram incluídas novas categorias de exames destinados a atendimento de rotina ao paciente, bem como para detecção, diagnóstico e monitoramento de doenças específicas (como a infecção por HIV, tuberculose, malária e hepatite B e C, sífilis e infecção por papilomavírus humano), doenças não transmissíveis, e uma nova seção sobre exames relacionados ao câncer e à triagem de doadores de sangue.
Já a versão dessa lista publicada em janeiro de 2021 passou a incluir exames para Covid-19 e expandiu o número de exames direcionados à detecção tanto de doenças infecciosas que são evitáveis por vacina quanto de doenças não transmissíveis, como câncer e diabetes. Há, também, uma seção de endocrinologia, o que é uma especialidade bastante relevante para a saúde reprodutiva e da mulher.
Tudo isso vem sendo possível porque, desde 1998, as tecnologias utilizadas em laboratórios clínicos vêm tornando tão sofisticadas, precisas e exatas, que exames de laboratório podem, em situações nas quais informações clínicas sejam inadequadas ou indisponíveis, estabelecer diagnósticos ou servir de referência para terapêuticas permitindo salvar vidas. Em relação à saúde pública, durante o recente surto original na China que culminou com a doença pandêmica causada pelo novo coronavírus ficou demonstrada a contribuição trazida pelo laboratório clínico em, pelo menos, três áreas relacionadas ao diagnóstico e manejo de pacientes com suspeita ou infecção pelo vírus: na identificação do agente etiológico, no monitoramento da doença e na vigilância epidemiológica.
Poucas áreas têm sido beneficiadas pela tecnologia como a saúde e a medicina laboratorial é um segmento que tem aproveitado essas inovações. Inteligência artificial, aprendizado de máquinas, a aplicação de métodos analíticos já conhecidos como a espectrometria de massas, o sequenciamento de nova geração, entre outros, já têm sido implementados nesse setor que investe permanentemente em qualidade e busca de eficiência. Nos últimos anos observamos investimentos crescentes em medicina personalizada ou de precisão que, por meio de informações contidas em exames laboratoriais genéticos, identificação de biomarcadores e medicações-alvo tem por objetivo customizar a prática médica de acordo com as características biológicas dos indivíduos ou subgrupos da população.
Porém, a utilidade dos exames laboratoriais depende de características do seu desempenho como a sensibilidade e a especificidade. Devem ser considerados também os valores preditivos de cada exame que estão relacionados à prevalência da doença na população e a probabilidade pré-teste.
O Conselho Coordenador da Força de Trabalho sobre Laboratório Clínico identificou que o valor dos serviços laboratoriais está associado ao conteúdo informativo dos resultados dos exames; redução de despesas de assistência; criação de conhecimento e desenvolvimento de novas tecnologias que contribuem para melhorar a eficiência e a eficácia do atendimento; contribuições para a tomada de decisões sobre investimentos de capital e o uso clinicamente adequado e econômico de novas tecnologias; e contribuições para melhoria da experiência do paciente em sua trajetória relacionada ao cuidado em saúde.
O desperdício e o valor de cada procedimento utilizado no cuidado à saúde, e a sua relação com o desfecho final tem sido motivo de atenção quando se discute a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Penso que iniciativas exitosas para a prevenção, manutenção ou recuperação da saúde resultam da combinação de atividades de diferentes equipes profissionais integradas por médicos, radiologistas, patologistas clínicos, equipe de enfermagem e até o próprio paciente e seus familiares. Isso também envolve as interações existentes entre profissionais de saúde, sistemas e tecnologias disponíveis. Dessa forma, é inapropriado relacionar os desfechos em saúde a apenas um profissional, processo ou segmento de assistência à saúde. No caso de exames laboratoriais, é correto afirmar que podem contribuir para desfechos intermediários, que por sua vez influenciam diretamente o desfecho final da assistência.
Embora seja controverso o tamanho da contribuição dos exames laboratoriais para a tomada de decisão clínica, não se pode negar que a contribuição da medicina laboratorial à saúde contemporânea permanece fundamental. Ela se tornará ainda mais importante no futuro, com a difusão de tecnologias disruptivas como a genômica, proteômica, metabolômica e medicina personalizada (de precisão), entre outras.
Nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que observamos o avanço técnico e organizacional nos laboratórios, novos exames surgiram com o conhecimento da fisiopatologia de doenças, e mudanças nos cuidados de saúde que passaram a valorizar mais uma abordagem preditiva, preventiva e personalizada, que geram economia para os sistemas de saúde. Muitas doenças, a exemplo de patologias hepáticas, renais e da tireoide, de difícil detecção clinicamente dependem de apoio de exames laboratoriais para serem detectadas. Assim, uma nova visão de futuro deve implicar no desenvolvimento de nova geração de profissionais de laboratório, capaz de integrar habilidades técnicas e administrativas específicas com uma visão mais ampla do cuidado em saúde e das necessidades dos pacientes.
Recomendação de leitura
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