Em 2017, iniciou-se uma campanha mundial denominada “Think Fungus” (Pense em Fungo) capitaneada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Atlanta, Estados Unidos com objetivo de alertar sobre as infecções fúngicas em todo o mundo.
Para se ter uma ideia, de acordo com o Global Action Fund for Fungal Infections (GAFFI): “As infecções fúngicas matam pelo menos 1.350.000 pacientes com ou após AIDS, câncer, tuberculose e asma, além de causar sofrimento e cegueira incalculáveis a dezenas de milhões em todo o mundo. No entanto, seus sintomas são em sua maioria ocultos e ocorrem como consequência de outros problemas de saúde. A tragédia é que muitos dos melhores medicamentos estão disponíveis há quase 50 anos”1 e assim mesmo essas infecções não são “vistas” por grande parte dos profissionais de saúde, principalmente os médicos.
Segundo Dra. Sigrid de Sousa dos Santos, médica Infectologista e professora nível II da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Carlos: “Os médicos não pensam em infecção fúngica, pois há um grande déficit de formação em micologia médica na grande maioria dos cursos. Isso não é um problema apenas do Brasil. Estudo realizado por grupo de pesquisa em fungos da Ásia2 identificou inadequações no treinamento de micologia médica, falta de acesso a métodos bioquímicos, moleculares e imunológicos de diagnóstico, falta de acesso a métodos de dosagem de níveis séricos de antifúngicos, falta de diretrizes locais, bem como falta de serviços de consultoria.”
O problema continua e Tom Chiller, médico Epidemiologista e chefe de uma das seções do CDC, ressalta que nos Estados Unidos “A vigilância que identifica infecções fúngicas graves é irregular e, portanto, qualquer número é provavelmente uma contagem insuficiente”. E vai além: “uma estimativa amplamente compartilhada propõe que haja, possivelmente, 300 milhões de pessoas infectadas com doenças fúngicas em todo o mundo” e segundo ele, essas infecções matam mais que malária e tuberculose. Sem contar nos custos astronômicos, que segundo Chiller, “estima que mais de 75.000 pessoas são hospitalizadas anualmente por causa de uma infecção fúngica e outras 8,9 milhões de pessoas procuram um atendimento ambulatorial, custando cerca de US $ 7,2 bilhões por ano”3.
Arturo Casadevall, médico e microbiologista molecular no Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, Nova York, Estados Unidos, faz uma sugestão “Ande até a rua e pergunte às pessoas do que elas têm medo e elas dirão que têm medo de bactérias, de vírus, mas não temem morrer de fungos.”2 Casadevall explica que o fato de as doenças fúngicas serem crônicas, “matarem lentamente” e raramente serem transmissíveis é um dos pontos que reduz o interesse das autoridades em saúde e vigilância pública e consequentemente limita a quantidade de informação acerca de incidência e prevalência4. No Brasil, as infecções fúngicas não são doenças de notificação compulsória, exceto Paracoccidioidomicose no estado de Mato Grosso (NOTA TÉCNICA N.º 03 /2016 SES-MT/SVS).
Por que as infeções fúngicas fazem parte do rol de doenças negligenciadas e qual a importância disso?
Ocorre que essas infecções, assim com as doenças tropicais têm em comum os seguintes pontos: afetam uma camada da população mais pobre que não tem acesso a água tratada, saneamento básico e serviço de saúde; como são crônicas, o desenvolvimento é progressivo e lento, caso não sejam tratadas em tempo; lamentavelmente, os danos causados por esse espectro de doenças podem ser irreversíveis;
ademais, algumas delas podem ser incapacitantes aos longo da vida afetando financeiramente o paciente e sua família.
Segundo Flavio Queiroz-Telles e col., as micoses endêmicas negligenciadas são um importante problema de saúde pública em todo o mundo. A falta geral de conscientização da saúde pública sobre a importância dessas doenças está tornando-as uma prioridade em áreas onde o diagnóstico e o tratamento são necessários. Populações em áreas endêmicas rurais tropicais e subtropicais permanecem em risco contínuo de infecção. O diagnóstico precoce com testes simples e rápidos não está disponível para a maioria dos pacientes. Há despesas substanciais com saúde associadas às micoses endêmicas. Prevenção, diagnóstico rápido e terapia são necessários com urgência. Vigilância e estudos epidemiológicos são necessários para entender a verdadeira carga dessas doenças5.
Portanto, como já descrito acima essas infecções podem ser devastadoras e continuam a surgir mais rapidamente do que nunca. Isso se deve em parte ao envelhecimento da população, ao aumento do número de pessoas com sistema imunológico enfraquecido, mudanças ambientais e problemas de resistência aos medicamentos. À vista disso, o CDC conclui que é importante que todos nós “pensemos em fungos”, especialmente quando há uma infecção que os antibióticos não conseguem curar. Mais pessoas devem estar cientes de que os fungos são uma fonte comum – e crescente – de infecção6. (As referências serão fornecidas, quando solicitadas).