As infecções oculares causadas por fungos são problemas oftalmológicos importantes, particularmente nos países em desenvolvimento. Apresentam caráter oportunista e embora sejam consideradas raras, podem ser muito graves. Anualmente, afetam mais de 1 milhão de adultos e crianças em todo o mundo, com a perda de visão observada em mais de 600.000 indivíduos e algumas vezes, seguida pela remoção do olho afetado, em decorrência do diagnóstico tardio e desfechos terapêuticos inadequados1. Notavelmente, um número elevado de casos de cegueira em crianças na África está relacionado a alterações na córnea provocadas por infecções fúngicas2.
São infecções que ocorrem principalmente nas seguintes condições: trauma direto com material vegetal, como um pedaço de madeira ou um espinho; após procedimentos cirúrgicos nos olhos, tais como transplante de córnea ou cirurgia de catarata; a partir da aplicação de injeções de corticosteroides ou de produtos oftalmológicos contaminados, como solução de lentes de contato, de irrigação e corantes aplicados em cirurgias oculares e, raramente, após disseminação do fungo pela corrente sanguínea3.
Os sintomas incluem dor, vermelhidão e secreção nos olhos, visão turva, sensibilidade à luz e lacrimejamento excessivo3. As principais manifestações clínicas são: a) ceratite fúngica ou micótica: inflamação ou infecção da córnea (a camada frontal clara do olho), que acomete geralmente indivíduos saudáveis sem doença de base e trabalhadores de zonas rurais, podendo levar à cegueira em mais de 60% dos casos4. É prevalente em regiões tropicais e subtropicais, incluindo países da África, Ásia e também da América do Sul, como Paraguai e Brasil5; b) endoftalmite: inflamação ou infecção de estruturas oculares internas, que acomete os humores vítreo e aquoso. É ocasionada por fatores exógenos, como procedimentos cirúrgicos ( p. ex. , cirurgia da catarata), trauma e pós-ceratite fúngica ou por fatores endógenos, tais como condições de imunossupressão, diabetes, uso de drogas intravenosas e fungemia prévia (particularmente candidemia)4,6. Em regiões tropicais, como a Índia, cerca de 10 a 20% dos casos de endoftalmite são de etiologia fúngica7.
Vários fungos (leveduriformes e filamentosos) podem causar infecções oculares, destacando-se espécies de Fusarium , Aspergillus e Candida 8 . Outras causas menos frequentes são Penicillium spp., Scedosporium spp., os fungos dimórficos ( p. ex. , Histoplasma capsulatum e Sporothrix spp.) e os fungos demáceos ( Bipolaris spp. e Alternaria spp.)7,8. Surtos de infecção ocular por espécies de Fusarium foram relatados nos Estados Unidos, associados ao uso de produtos contaminados em procedimentos invasivos e solução para lentes de contato7. No Brasil, estima-se que os fungos sejam responsáveis por 25–45% de todas as ceratites microbianas, dos quais Fusarium solani e Candida parapsilosis estão entre as espécies mais frequentes9,10.
O diagnóstico diferencial de endoftalmite fúngica inclui uveíte (inflamação intraocular), linfoma, sarcoidose, endoftalmite bacteriana, toxoplasmose, sífilis e herpes vírus; na ceratite fúngica, deve-se diferenciá-la daquelas causadas por bactérias, vírus ou parasitas5,6. O diagnóstico de infecções fúngicas oculares compreende: o exame clínico, apesar de os sintomas geralmente serem inespecíficos e semelhantes aos observados em infecções bacterianas; e os exames laboratoriais, a partir de raspado ou biópsia da lesão na córnea (ceratite) ou amostras de biópsia ou punção do humor vítreo ou humor aquoso (endoftalmite), que incluem: a) microscopia direta, b) cultura (método padrão-ouro), que possui baixa sensibilidade (<40%), c) reação em cadeia da polimerase (PCR) e sequenciamento do DNA, que apresentam maior acurácia e rapidez na identificação de uma ampla gama de espécies de fungos em comparação com a cultura (sensibilidade >69%)5,6,11.
Em vista da grande variedade de enfermidades que podem acometer os olhos, assim como a diversidade de fungos que podem ser responsáveis pelas infecções oculares, a comunidade médica (particularmente oftalmologistas e infectologistas) e os profissionais de saúde, devem estar sempre alertas, considerando essencial o diagnóstico precoce e preciso associado ao tratamento adequado, para prevenir complicações de maior gravidade para o paciente, desde a perda de acuidade visual até a remoção cirúrgica do olho.
Bibliografia. As referências bibliográficas serão enviadas, quando solicitadas.