Momentos de dificuldades trazem, também, oportunidades. A pandemia realçou as desigualdades sociais, expôs a força do nosso sistema de saúde, o SUS, e evidenciou a importância do bom funcionamento de todos os que compõem o ecossistema do setor. A relação de interdependência entre os atores da saúde foi posta à prova e, hoje, há uma maior consciência da importância do papel de cada um na cadeia econômica e produtiva.
Em paralelo, nosso desempenho político também foi colocado em xeque. O SUS foi construído com base em execução descentralizada, apoiada por um planejamento centralizado de programas e políticas. Isso significa que, para funcionar, é fundamental que a articulação entre governo federal, estados e municípios seja efetiva, ainda mais nas emergências, como o que ocorreu com a Covid-19. Desnecessário relatar a desarticulação do SUS em nível federal, com quatro trocas de ministro da Saúde em plena pandemia, informações truncadas e a adoção de protocolos que contradizem a ciência. Como resultado, o Brasil registrou uma das mais altas taxas de mortalidade por Covid-19 em todo o mundo, com mais de 685 mil mortes. Essa desarticulação federal, porém, evidenciou o papel dos Estados e Municípios na assistência à saúde da população e deu transparência à fragilidade da tomada de decisão política no país.
O brasileiro passou a compreender melhor o funcionamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a sinergia existente entre eles, e percebeu como essas decisões políticas interferem diretamente no dia a dia, nos negócios e na saúde.
Em um país democrático, é legítimo defender interesses visando a construção de um espaço contínuo de diálogo com os que formulam as políticas públicas. No Brasil, precisamos qualificar o debate político, com temas que solucionem os problemas atuais da saúde, garantam os direitos do cidadão e visem a construção de futuro para um sistema mais inclusivo, eficaz e sustentável.
Esse trabalho de articulação é necessário para que não ocorram mais decisões legislativas sem avaliações de impacto e que colocam em risco a sustentabilidade e o acesso aos serviços de saúde.
Apesar do lugar de destaque que o Brasil ocupa com o Plano Nacional de Imunizações (PNI), o tratamento contra o HIV, que são referências mundiais, o Estratégia Saúde da Família e os transplantes, não existe no país uma agenda formal e de longo prazo para a saúde. Precisamos construir esse espaço, debatendo pautas relevantes para toda a cadeia econômica e produtiva do setor e com impactos positivos para a população.
O médico alemão Rudolf Virchow, considerado o pai da medicina social, tem uma frase que traduz com precisão a importância da articulação para o setor: “A medicina é uma ciência social e a política nada mais é do que a medicina em grande escala”.Relações governamentais contribuem para o amadurecimento da democracia. Almejamos por decisões políticas que apoiem o sistema de saúde brasileiro na busca por mais acesso, qualidade e sustentabilidade.