medical equipment, medicine, laboratory-4099428.jpg

A revolução da saúde digital

A pandemia desafiou a resiliência, a agilidade e a efetividade do Sistema Único de Saúde (SUS). Novos e antigos problemas se alternaram em ritmo acelerado e puseram à prova as políticas de saúde, sua coordenação, recursos humanos e materiais, assim como a infraestrutura instalada. Também trouxe à tona as desigualdades que afligem, principalmente, países marcados por profundos contrastes sociais, como o Brasil.

Momentos de dificuldades são, também, catalisadores de oportunidades. Podemos sair dessa crise sanitária mais fortalecidos e determinados a alçar o setor da saúde ao lugar que merece, mas precisaremos de muita determinação e vontade política. A construção de um país mais saudável exige mudanças na postura de autoridades, na mentalidade de profissionais, de hábitos sociais, mais investimento para melhorar a qualidade dos serviços e aperfeiçoá-los, assim como apoio à indústria, à pesquisa e inovação. A pandemia acelerou alguns processos inovadores que podem ajudar no enfrentamento de problemas crônicos do SUS. Nesse contexto, as tecnologias digitais de saúde são o grande destaque. Importante frisar que o conceito de saúde digital vai muito além das consultas ou diagnósticos remotos, pois engloba monitoramento a distância, internet das coisas, inteligência artificial, sistemas, enfim, um arsenal extenso.

Essa “revolução” já era esperada, afinal, o mundo atravessa um ciclo tecnológico baseado em plataformas digitais. Isso abre perspectivas inéditas para o sistema de saúde brasileiro. Com a saúde digitalizada é possível melhorar o acesso, a qualidade, a interoperabilidade e a equidade. De forma prática, ampliar o conhecimento sobre a saúde da população, reduzir o tempo de espera, o custo da assistência, contribuir para uma maior integração entre os setores público e privado, promover a interação, treinamento e cooperação entre equipes e profissionais, vencer barreiras geográficas que impedem o acesso de grupos tradicionalmente excluídos do sistema, criar indicadores que auxiliem no planejamento e na gestão, possibilitar o monitoramento e acompanhamento de portadores de doenças crônicas, a capacitação das famílias, entre outros benefícios.

Com muitos e grandes desafios no horizonte, a digitalização também ataca um dos principais: a finitude de recursos, pois aprofunda a capacidade de coleta e análise de dados em tempo real para avaliação de desempenho do sistema de saúde e ajuda a combater o desperdício. O avanço conjunto da saúde digital e da inteligência artificial contribuirá para diminuir a hospitalização prematura, o número de consultas desnecessárias, os exames repetidos, o uso indevido de medicamentos e para elevar o padrão de saúde da população.

O Brasil possui uma imensidão de dados de saúde. Após a criação do DataSUS, em 1991, surgiram vários sistemas, sendo três deles voltados para a avaliação, dois cadastros nacionais e mais de 200 subsistemas, que nem sempre conversam entre si. Em paralelo, as informações da saúde suplementar são tratadas e geridas separadamente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ou seja, esse volume está compartimentalizado e não há integração. Em outras palavras: os dados existem, mas rendem pouca informação. E, por isso, quase não são utilizados para planejamento, avaliação e nem compartilhados entre prestadores de serviços e demais integrantes do ecossistema da saúde. A padronização e a segurança dos dados, porém, não são os únicos entraves à expansão da saúde digital. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 cerca de 40 milhões de brasileiros não tinham conexão com a internet, número que representa quase 20% da população com idade acima de dez anos.

A falta de integração entre os cuidados primários e os serviços de média e alta complexidades é outro problema que a pandemia evidenciou. Segundo o Ministério da Saúde, 85% das demandas de saúde podem ser resolvidas na atenção básica, o que realça sua importância. Para o efetivo funcionamento deste primeiro nível assistencial, é necessário investimento em digitalização e compartilhamento de dados com os serviços mais complexos. E, aqui, a interação entre os setores público e privado é primordial. Um trabalho conjunto, no qual cada parte possa contribuir com o que faz de melhor, poderá não só ampliar o acesso como trazer melhores experiências para o usuário dentro do SUS, direcionando-o ao serviço que melhor atenda às suas necessidades, no tempo certo e dando maior fluidez aos serviços.Historicamente, em anos eleitorais, a saúde sempre desponta como uma das principais preocupações dos brasileiros. Neste ano, ela ganha ainda mais projeção. Experiências internacionais de transformação digital na saúde indicam desafios que vão muito além das questões tecnológicas e de infraestrutura. Eles passam por mudanças e adaptações profundas de mentalidade, atitudes e habilidades humanas. As tecnologias apenas fornecem os meios, mas, sozinhas, não conseguirão transformar o setor de saúde, que precisa de visão estratégica e de profissionais qualificados. Nesse sentido, é imprescindível aproveitar esta janela de oportunidade, aberta com a pandemia, e alinhar esforços que ajudem a promover um sistema de saúde mais inclusivo, eficaz e sustentável.