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Associação entre Leishmania spp. e as diferentes formas clínicas da Leishmaniose humana*

O texto, abaixo, ressalta a importância da tipificação da Leishmania spp, através da biologia molecular (PCR e Sequenciamento) e foi extraído, parcialmente, e traduzido livremente do artigo *“Species Typing in Dermal Leishmaniasis” (Gert Van der Auwera & Jean-Claude Dujardin).

Como se sabe, Leishmania spp. são protozoários, parasitas digenéticos*, infecciosos, relacionadas aos tripanossomas africanos e americanos. Vale salientar que todas as espécies são patogênicas aos humanos. A transmissão ocorre por flebotomíneos para animais selvagens e domésticos e para humanos. De acordo com uma estimativa recente, a incidência anual da doença está entre 0,7 e 1,2 milhão de casos em todo o mundo. É endêmica em 87 países, 10 dos quais (Afeganistão, Argélia, Colômbia, Brasil, Irã, Síria, Etiópia, Sudão, Costa Rica e Peru) suportam 70 a 75% da carga global da doença.

Importante destacar que todas as espécies de Leishmania patogênicas ao homem podem causar doença cutânea, embora com gravidades diversas. Dessa forma, a identificação da espécie causadora é relevante tanto em estudos clínicos e epidemiológicos, quanto no manejo de casos e controle. A leishmaniose cutânea (LC) é uma das principais manifestações clínicas da infecção humana. Ao contrário da leishmaniose visceral (LV), não é letal, mas muitas vezes é traumática e associada à estigmatização social.

De um lado do espectro está Leishmania major , que geralmente causa lesões cutâneas localizadas, autocurativas,   no local da infecção (LCL) e é encontrada na região do Mediterrâneo, África, Oriente Médio, e Índia. No lado oposto encontra-se a L. braziliensis , que é endêmica na América do Sul e é capaz de causar leishmaniose mucocutânea (LMC), mutilante, grave mesmo anos após a cura da lesão local inicial. Entre esses extremos estão as espécies que causam lesões localizadas de difícil tratamento e as que, muitas vezes, dão origem à leishmaniose cutânea difusa (LCD), em que várias lesões ocorrem distantes do local da infecção.

Para completar o quadro, L. infantum (syn., chagasi ), encontrada em países mediterrâneos e no Brasil, e pode levar tanto à LC quanto à LV em humanos e à leishmaniose canina em cães. A LV (também conhecida como Calazar) é uma condição letal se não tratada, com parasitas que afetam o fígado, o baço e a medula óssea. Além disso, L. donovani causa LV, em que os pacientes curados, às vezes, desenvolvem uma complicação cutânea específica conhecida como leishmaniose dérmica pós-calazar (LDPC), que não é observada na infecção com L. infantum e se manifesta como nódulos que cobrem grandes partes do corpo. Especialmente no Sri Lanka, a infecção por L. donovani frequentemente leva à LC, tornando a leishmaniose dérmica uma doença que pode ser provocada por todas as espécies de Leishmania que são infecciosas para humanos.

A associação entre diferentes formas clínicas de LC e espécies de Leishmania não é absoluta. O melhor exemplo é provavelmente a leishmaniose mucocutânea (LMC), que geralmente é encontrada em pacientes infectados com L. braziliensis , mas também foi relatada para outras espécies do subgênero Leishmania (Viannia) , como L. guyanensis . Especialmente com a coinfecção por HIV e em indivíduos imunossuprimidos, podem ser encontradas apresentações clínicas inesperadas. Além disso, a conotação geográfica tradicional de formas clínicas deve ser tomada com cautela, porque a expansão ou movimento dos ciclos de transmissão pode fazer com que espécies raras circulem em regiões ou habitats inesperados.

Portanto, a partir das informações acima e também porque as espécies exibem padrões de transmissão específicos, que afetam o prognóstico da doença e podem reagir diversamente a certos medicamentos ou regimes de tratamento, que o controle eficiente da leishmaniose dérmica requer análise das espécies, fato que só ocorre através da biologia molecular (PCR e sequenciamento). Dessa forma, além da identidade parasitária, outros fatores que orientam a escolha do tratamento são: apresentação clínica, a herança genética e a imunidade do hospedeiro e condições de transtornos adicionais. A necessidade de se determinar a espécie infectante de Leishmania depende em grande parte do contexto específico. Para estudos clínicos e epidemiológicos, a confirmação da espécie infectante é definitivamente recomendada em todos os casos, de preferência usando uma técnica de aplicação global que tenha sido validada em todas as espécies.

Para o manejo clínico diário, por outro lado, a tipificação de espécies individuais nem sempre é possível, seja por razões técnicas, logísticas ou financeiras. A situação mais direta é apresentada por um centro de saúde primário localizado em uma região de endemicidade onde circula apenas uma espécie. Nesses casos, basta um diagnóstico preciso pela detecção do gênero, desde que a epidemiologia da área seja suficientemente monitorada. A detecção desse gênero pode ser simples e baseada em exames clínicos ou microscópicos das lesões, embora não sejam os métodos mais sensíveis ou específicos. A sorologia não é muito sensível devido ao forte viés da imunidade celular do tipo Th1 (T helper 1 ), sendo os métodos moleculares superiores quando a carga parasitária é baixa. Um cenário mais complicado é o de um centro de saúde primário localizado em uma região onde duas ou mais espécies ou variantes são transmitidas, como é o caso do Brasil, onde cada uma exige uma abordagem de tratamento diferente. Nesse cenário, médicos experientes podem separar as espécies com base na morfologia da lesão e na síndrome clínica. Se isso não for possível, então as espécies podem ser identificadas usando técnicas que separam as variantes do parasita local. Além disso, um centro de referência regional ou nacional normalmente lida com pacientes infectados em vários ambientes, o que torna a identificação de espécies individuais mais relevante, pois a origem geográfica exata da infecção e a epidemiologia local são muitas vezes difíceis de avaliar.

Finalmente, o cenário mais complicado é o da medicina de viagem que atende pacientes que visitaram várias regiões ou países endêmicos. Geralmente, a região exata da infecção é desconhecida e os médicos assistentes têm menos conhecimento ou acesso às informações epidemiológicas, além de muitas vezes terem menos experiência com diagnóstico e tratamento. Tal ambiente requer, portanto, uma estratégia de diferenciação de espécies globalmente aplicável.

*ou heteroxenos → são os parasitas que necessitam de pelo menos dois hospedeiros para completarem o seu ciclo evolutivo, como por exemplo, esquistossomo e o tripanossomo.

Referência será enviada, quando solicitada.