Doença X OMS criou termo para algo que ainda não existe

Com quase 7 milhões de mortes causadas pelo mundo, a covid-19 foi um marco epidemiológico. Além de tantas vidas perdidas, a doença expôs a fragilidade dos países —alguns mais vulneráveis que outros— em termos de diagnóstico, capacidade de internação e tratamento, contenção e prevenção da doença.

A doença também foi capaz de impactar profissionais da saúde em nível pessoal, como conta a infectologista Sylvia Lemos.

“É importante destacar que a pandemia representou algo inédito para nossa geração. Em 40 anos trabalhando com doenças infecciosas, eu nunca tinha sentido medo. Mas ver pessoas próximas, inclusive médicos, doentes mudou minha percepção”, reflete ela, que é mestre em medicina tropical pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e membro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Pelos desafios impostos pelo vírus Sars-CoV-2, a OMS (Organização Mundial da Saúde) agora tenta dar um passo à frente aprimorando o conceito chamado de “doença X”.

“Essa designação não representa uma doença real, mas sim um nome fictício criado pela OMS para identificar um possível risco de surgimento de uma nova doença infecciosa transmissível que poderia afetar um grande número de pessoas”, descreve Celso Granato. infectologista e diretor Clínico do Grupo Fleury.

A nomenclatura, na realidade, surgiu em 2018, antes da pandemia de covid-19.

“Priorizar a pesquisa e o desenvolvimento de contramedidas para patógenos e famílias de vírus cruciais desempenha um papel fundamental na garantia de uma resposta ágil e eficiente a epidemias e pandemias. Sem investimentos substanciais antes do surgimento da pandemia da covid-19, não teríamos sido capazes de desenvolver vacinas seguras e eficazes em um tempo recorde”, afirmou Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências Sanitárias da OMS, em publicação da organização.

Agora, cientistas esperam que a experiência global vivida entre os anos de 2020 e 2023 possa ajudar na resposta rápida a futuros surtos.

Como se dá a identificação de uma nova doença

A OMS tem uma lista de patógenos (organismos como bactérias, vírus, fungos ou parasitas) a serem observados pelos cientistas, o que inclui o mapeamento de sua circulação e desenvolvimento (como a criação de novas cepas de vírus).

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A preparação para identificar uma potencial “doença X” se concentra principalmente nessa vigilância epidemiológica.

“Esse processo existe há muitos anos e tem sido constantemente aprimorado, com melhorias significativas devido à experiência com a covid-19”, diz Granato.

O médico explica que quando laboratórios e médicos detectam determinadas doenças que constam em uma lista definida pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias de saúde, eles são obrigados a notificá-las, tornando-as doenças de notificação compulsória.

“Além disso, instituições privadas também contribuem com notificações. Esse sistema fornece informações em tempo real sobre o que está ocorrendo, como o número de casos de gripecoronavírus e outras doenças notificadas, permitindo identificar qualquer anomalia.”

Segundo o infectologista Marcelo Otsuka, mestre pela Santa Casa de São Paulo, para ser classificada assim, a “doença X” precisaria ser uma comorbidade de impacto.

“Para isso, temos alguns critérios a serem levados em conta. Em primeiro lugar, devemos considerar a sua capacidade de propagação. Depois, sua capacidade de causar danos, incluindo hospitalizações, complicações que a doença pode causar, bem como a taxa de mortalidade e as potenciais sequelas que a doença pode deixar.”

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Esses fatores, explica o especialista, devem ser analisados para determinar as abordagens apropriadas.

“É importante notar que podemos lidar com uma doença que, embora seja grave, não é necessariamente altamente transmissível. No entanto, se não houver acesso adequado a tratamento, vacinas ou medidas de prevenção eficazes, isso também representa uma preocupação significativa.”

Na percepção de Sylvia Lemos, da SBI, embora o avanço da medicina permita diagnósticos e respostas mais rápidas a possíveis futuras pandemias, alguns fatores negativos são inevitáveis.

“Creio que ainda passaríamos por perplexidade, dúvidas e a insegurança de não saber com o que estamos lidando.”

Quanto ao que a população pode fazer, é fundamental seguir as orientações das autoridades de saúde pública. Quando há uma doença respiratória em circulação, é importante que as pessoas estejam atentas e mantenham suas vacinas em dia.

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“O uso de máscaras quando doentes, como é comum em lugares como o Japão, é uma prática recomendada para evitar a disseminação de doenças respiratórias, que poderiam incluir a ‘doença X'”, aponta Celso Granato.

Na avaliação do médico, a cooperação internacional e o compartilhamento de informações entre países desempenham um papel essencial na prevenção da propagação de doenças.

“O aumento na mobilidade global significa que uma doença que surgiu em qualquer lugar do mundo pode se espalhar rapidamente, e, portanto, a notificação eficaz e a troca de informações são cruciais.”

Vários laboratórios de referência em todo o mundo colaboram na identificação de potenciais agentes patogênicos e na produção de reagentes e vacinas para antecipar possíveis surtos. Isso contribui para uma preparação mais eficaz contra a ‘doença X’ e outras ameaças à saúde.