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Artigo
O lado B do financiamento em saúde
Tacyra Valois
CEO no CBEXs - Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde
relação ao que está sendo entregue aos usuários, ao volume, eficiência
tacyra.valois@cbexs.com.br e a efetividade destes gastos com a saúde. Revisitando os últimos fatos
e estudos publicados, é notório que falta previsibilidade e há grandes
somas sendo desperdiçadas. Voltando a pergunta inicial: qual o modelo
Quando discutimos a lógica do financiamento da saúde no Brasil reflito de sociedade que queremos?
sobre alguns tópicos: o primeiro, com relação ao tipo de sistema de saúde Numa população onde a maior parte das pessoas depende de um sistema
e sociedade que estamos construindo se continuarmos levando a saúde universal regido por princípios do SUS, os investimentos familiares serem
num ritmo com tantos solavancos. O segundo, o papel e participação maiores que os investimentos públicos, é, no mínimo, contraditório.
da saúde suplementar no acesso à serviços de saúde em nosso país. E Se me propusessem traçar um plano de ação focando a
um outro, de como o sistema sustentará o incremento de custos para se sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro, incluiria como urgência
manter em funcionamento. Passadas duas crises - a recessão econômica um novo modelo de assistência e o fato de que precisamos explorar a
de 2014-2016 e a atual pandemia, é mais do que chegado o momento de saúde digital como ferramenta não somente para ampliar acesso, mas
aprofundarmos o diálogo sobre essas questões. também de profissionalizar a gestão, ao tempo que precisamos enfrentar
Os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento definitivamente os desperdícios e o modelo de remuneração, uma agenda
Econômico (OCDE) apontam com clareza um problema central do nosso que é um consenso entre notáveis e estudiosos.
sistema, o qual precisamos de esforços múltiplos para equalizar a conta: Como agenda prioritária do governo incluo focar não somente em
com despesas em saúde totalizando R$711,4 bilhões, o equivalente a 9,6% ampliar o investimento, mas, agir urgente sobre a revisão do custo Brasil
do Produto Interno Bruto (PIB), chama a atenção que o aumento dos gastos numa agenda que inclui, mas não se resume, as taxações e impostos como
das famílias com saúde que é relativamente maior que os do governo. custos ocultos que pressionam a operação do ecossistema da saúde. Incluo
As famílias responderam por R$427,8 bilhões do total, correspondendo também uma proposta para melhor utilização dos impostos pagos pelos
a 5,8% do PIB, enquanto R$283,6 bilhões (3,8% do PIB) foram despesas brasileiros que ao fechar a conta pagam 2 vezes pelo “direito” ao acesso à
de consumo do governo. Ainda nesse cenário, vale também a menção da saúde: uma por meio do pagamento dos impostos e a segunda quando “faz
notável expansão das atividades da saúde suplementar nos últimos anos e a opção” pelo pagamento de um plano de saúde para garantir a segurança
a atual crise e insolvência do setor privado. das suas famílias e/ou dos seus funcionários.
Essa participação das famílias e instituições nos gastos com a saúde O CBEXS defende que a saída é um Pacto de Sustentabilidade e
vem crescendo desde 2011. Por outro lado, as despesas do governo de transformações através de uma gestão profissionalizada, em que as
aumentaram entre 2013 e 2016, no entanto, permaneceram estáveis após lideranças devem utilizar dados e análises para uma tomada de decisão
uma queda em 2017. Postos estes números, fico em dúvida do que significa mais assertiva, utilizando também ferramentas de Transformações
afinal a privatização da saúde. É aceitável que os investimentos privados Digitais, Governança Clínica, ESG, Compliance. Defende também, que
sejam maiores que os investimentos públicos em saúde? Afinal, com um é urgente encontrar um meio termo entre os interesses de mercado e os
PIB na saúde tão tímido, os trabalhadores e famílias é que endossam mais princípios do SUS (Participativo/Inclusivo) e ambos hoje, setor público
da metade desse percentual de investimento em saúde. e setor privado, não estão conseguindo entregar pelo esgotamento do
Essa comparação reflete também sobre um outro questionamento, com Modelo ineficiente, judicializado, “politizado” e heterogêneo na gestão.
ARTIGO exemplo, têm um maior protagonismo em países com pouca infraestrutura. E,
finalmente, há que se mencionar a qualidade da gestão do sistema brasileiro.
É correto dizer que, nos últimos 10 anos, esse sistema evoluiu bastante, mas
ainda está muito longe do mínimo necessário.
O Brasil tem o sonho de fazer com que seu sistema, muito mais baseado
O dilema da falta no Estado, seja Universal - ou seja, promova acesso de qualidade igualitária
de investimento a toda a população. Hoje, infelizmente, nada mais do que um sonho. A saúde
já é o segundo maior orçamento da União, apenas atrás da Educação, mas na
frente de Infraestrutura. Como política pública, Educação e Saúde são as duas
na Saúde maiores prioridades de um governo, principalmente emergente.
A solução ideal seria um crescimento acelerado da economia e do nosso
PIB, conectado com um aumento gradual da porcentagem de investimento
Daurio Speranzini Jr sobre ele. Investir muito mais em atividades e procedimentos preventivos
deveria evoluir na participação total do investimento da União, evitando ao
Como um país emergente, o Brasil definitivamente precisa de mais máximo a realização de procedimentos com alta complexidade no futuro.
investimento em Saúde. Investir cada vez mais na capacitação das equipes deveria fazer parte do
O Governo Federal direciona aproximadamente 4% do Produto Interno plano geral de transformação da Saúde.
Bruto - cerca de US$ 72 bilhões - para o atendimento de 220 milhões de O novo Presidente brasileiro e seus colaboradores (como o Presidente
habitantes. Países desenvolvidos, como os EUA, investem US$ 3,8 trilhões do Banco Central) devem nos guiar para o caminho do crescimento. Sem
para atender seus 350 milhões de habitantes (cerca de 18% do seu PIB). Um ele nada poderá ser realizado. A nova Ministra da Saúde, em conexão com
número que impressiona. a sociedade civil, deve buscar formas de implementar o que já foi dito por
A melhor forma de comparar os investimentos é avaliá-lo per capita. muitos. Agora, me parece muito mais sobre capacidade de execução do que
E, no Brasil, ele é 33 vezes menor que o dos americanos. Uma grande e propriamente sobre pensar em um plano.
trágica diferença para nós, brasileiros. Há que se levar em consideração,
entretanto, que a população americana, por ser mais idosa, solicita ainda * Daurio Speranzini Jr é um dos mais experientes líderes empresariais do
mais do seu sistema de saúde, especialmente quando se fala em doenças mercado da tecnologia médica do Brasil. Formado em engenharia mecânica
não transmissíveis (cardiovasculares, câncer, diabetes e, principalmente, pela FEI, possui MBA pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e extensão
respiratórias). Além disso, a judicialização da saúde nos EUA faz com que em Business Administration pelo Massachusetts Institute of Technology - MIT.
exames e procedimentos sejam superdimensionados. O custo por paciente Há 20 anos ocupa posições muito destacadas - vice-presidente, presidente e/
aumenta. ou CEO - nas maiores companhias mundiais com foco em tecnologia, saúde e
Já no Brasil, por outro lado, as condições sanitárias contribuem para healthcare. Toda essa experiência proporcionou um capital importante para
estressar nosso sistema de saúde, principalmente nas periferias e pequenas análises profundas sobre as características e os processos operacionais das
cidades. Doenças transmissíveis como hepatites, HIV, chagas ou leucemia, por estruturas de saúde, públicas e privadas.
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