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Opinião
Novo governo e o desafio das DTNs
citar um exemplo, hansenólogos brasileiros têm alertado autoridades mundiais sobre
Dr. Yussif Ali Mere Jr a endemia oculta de hanseníase que ocorre não só no Brasil. A doença está presente
Presidente da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e em todo o país, é subdiagnosticada e é comum o paciente passar por vários serviços
Laboratórios de Ribeirão Preto e Região (FEHOESP e SindRibeirão) de saúde ao longo de anos sem diagnóstico. Quando descobre a doença já apresenta
presidencia@fehoesp.org.br sequelas muitas vezes incapacitantes e irreversíveis. As DTNs afetam pacientes
economicamente mais vulneráveis, famílias que vivem em aglomerados facilitando
a transmissão das doenças.
Está mais do que na hora de agentes políticos trabalharem para colocar o assunto
Muito antes da pandemia de coronavírus tomar de assalto os sistemas de saúde de volta às rodas de debates sobre saúde em nível global. Pedido neste sentido foi
do planeta, as Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) já eram consideradas um feito pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aos governos das Américas,
problema sério de saúde global, com 1,5 bilhão de pessoas, em 149 países, acometidas às vésperas do Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, celebrado desde
por uma delas. Isso até 2020, porque em 2021 este número subiu para 1,7 bilhão. Pior: 2020 em 30 de janeiro – o deste ano teve como tema "Alcançar a equidade em saúde
a queda na vigilância epidemiológica para essas doenças fez dispararem as taxas de para acabar com a negligência com as doenças relacionadas à pobreza".
mortalidade. A questão do enfrentamento às DTNs não passa apenas por diagnóstico e
Além de lamentável, essa realidade é política e humanamente constrangedora, tratamento. Como alerta a OPAS-Organização Pan-Americana de Saúde, o controle
já que as DTNs são, em sua maioria, curáveis, tratáveis e passíveis de controle, mas das negligenciadas passa por educação, conscientização, saneamento básico, moradia,
acabam não sendo combatidas com a devida atenção porque acometem as populações alimentação e acesso a direitos fundamentais. Quanto o Brasil perde em vidas, em
mais vulneráveis do planeta, com baixo IDH-Índice de Desenvolvimento Humano, afastamentos temporários ou permanentes pelo INSS, em tratamento de sequelas
portanto com acesso limitado aos serviços de saúde e educação e outros direitos para doenças que deveriam ser diagnosticadas precocemente? Sem contar a dívida
básicos. impagável do Estado para com essas populações.
De acordo com compilação que a OMS-Organização Mundial de Saúde atualiza A equipe de transição do novo governo já falou em priorizar campanhas
todo ano, as doenças negligenciadas formam um grupo de 20 enfermidades infecciosas, de vacinação, prevenção de câncer, esforço para evitar desabastecimento de
de origem parasitária, bacteriana, viral e fúngica, que causam dor e incapacidade, com medicamentos, que são realmente importantes, mas para as DTNs, muitas vezes,
consequências sociais, econômicas e para a saúde de indivíduos e sociedades. Entre precisa de vontade política porque há cura, há medicamentos que são doados ao país
elas estão doença do sono, elefantíase, picada de cobra, teníase ou cisticercose, sarna, pela OMS e há a sociedade civil fazendo campanhas voluntariamente.
micoses profundas, entre outras. Há muitos desafios no caminho para essa estratégia, como a falta de informação,
Na 84ª posição entre 189 países que integram o ranking mundial do IDH, o tanto entre as populações em geral quanto entre profissionais de saúde, o que
Brasil concentra uma grande parte delas, sendo leishmaniose, tuberculose, doença de alimenta os estigmas em torno das DTNs. No Brasil, não raro ainda temos editais
Chagas, malária, esquistossomose, hepatites, filariose linfática, dengue e hanseníase as para contratação de profissionais que proíbem a participação de pessoas com uma ou
principais. Embora ocorram por todo o país, as regiões Norte e Nordeste – com menor outra DTN, sendo que diagnosticados, esses pacientes entram em tratamento e podem
IDH – tem mais de 90% dos casos de malária, por exemplo, doença que apresentou o desenvolver atividades dentro de suas capacidades físicas e intelectuais. Uma política
maior aumento na taxa mundial de mortalidade durante a pandemia: 82,55%. multidisciplinar e abrangente para o enfrentamento desse problema deve trabalhar,
Há uma crença de que as DTNs ocorrem somente nessas regiões, mas só para inclusive, o preconceito e devolver dignidade a essa população.
Campanha
Doação de órgãos busca contribuir com 60 mil pessoas
que esperam por um transplante no Brasil
A cada milhão de pessoas, menos de 20 são doadoras de órgãos, o que aumenta a fila de espera por um transplante
O Brasil é o segundo país do de 20 são doadoras de órgãos, o Único de Saúde, o SUS, algo que é muito valioso e
mundo que mais realiza transplantes, que aumenta a fila de espera por um importante. É um enorme diferencial disponível no
ficando atrás somente dos transplante. Brasil”, explica. Carmem ainda destaca que pessoas
Estados Unidos. De acordo com o Além disso, de acordo com a com até 35 anos podem se cadastrar no registro de
Ministério da Saúde, apenas em ABTO, a pandemia causada pela doadores. “É muito importante que esse banco seja
2021, foram feitos cerca de 23,5 mil Covid-19 fez com que o número de permanentemente renovado”, diz ela.
procedimentos. Desse total, cerca procedimentos diminuísse ainda Como se tornar um doador de órgãos?
de 4,8 mil foram transplantes de rim, mais em todo o país em 2020. Em É possível realizar a doação de órgãos (rim,
dois mil de fígado, 334 de coração e 2021, 4.200 pessoas morreram à coração, fígado, pâncreas e pulmão) ou de tecidos
84 de pulmão, por exemplo. Os altos espera de um transplante. Aos (córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem,
índices são explicados pela existência poucos, este cenário começa a medula óssea e sangue de cordão umbilical). Um
do maior programa público do mudar, mas ainda há um longo único doador que teve morte encefálica pode ajudar
planeta direcionado às cirurgias, caminho de conscientização pela até dez pessoas que estão na fila de espera do
que são gratuitas e garantidas pelo frente. transplante.
Sistema Único de Saúde (SUS). Nos episódios, os transplantados Para ser um “doador vivo”, é importante a
Na outra ponta, quando o assunto é doação de contam, em detalhes, toda a trajetória que pessoa apresentar boas condições de saúde, passar
órgãos, o Brasil ainda revela um cenário preocupante enfrentaram até conseguir seu procedimento e por avaliações médicas, ser capaz juridicamente
e oportunidades de muito crescimento, estimulado ganharem uma nova chance de viver. Todos os vídeos e, principalmente, concordar com a doação.
por uma maior conscientização sobre o tema. podem ser vistos aqui. A Biometrix Diagnóstica, a Legalmente, pais, irmãos, filhos, avós, tios e
Também segundo o Ministério, o país em 2021, Sociedade Brasileira de terapia Celular e Transplante primos podem ser doadores. No caso de doação
contava com 50 potenciais doadores de órgãos para de Médula Óssea (SBTMO) e a ABTO são apoiadores para uma pessoa que não seja parente, é preciso
cada milhão de pessoas. O número ainda é muito da campanha. obter autorização judicial. Neste caso, os órgãos
baixo em relação a outros países, como Espanha, A médica hematologista Carmem Vergueiro, considerados para doação podem ser rim, fígado,
Bélgica, Malta, França, República Tcheca, Finlândia fundadora da Ameo (Associação da Medula Óssea), pulmão e medula óssea.
ou Noruega. A lei espanhola, por exemplo, diz que explica que há cerca de 20 anos não tínhamos no Não podem ser doadores de órgãos somente
toda pessoa que morre é presumidamente doadora Brasil um banco de doadores de medula, ou testes pessoas com diagnóstico de tumores malignos,
de órgãos, a menos que tenha manifestado opinião de compatibilidade, sofisticados que pudessem doença infecciosa grave aguda ou doenças
contrária em vida. facilitar os transplantes. “Hoje, as possibilidades de infectocontagiosas – destacando-se o HIV, as
Atualmente, 60 mil pessoas estão na fila no cura ou fornecimento de mais qualidade de vida aos hepatites B e C e a doença de Chagas. Também
Brasil esperando pela doação de órgãos. Só em 2022, pacientes são enormes. Temos bancos de doadores não podem ser doadores os diagnosticados
mesmo após morte encefálica comprovada, cerca muito ricos. Somos o terceiro maior registro de com insuficiência de múltiplos órgãos, situação
de 42% das famílias não concordaram com a doação, doadores do mundo. São mais de cinco milhões que acomete coração, pulmões, fígado, rins,
segundo a Associação Brasileira de Transplante de de pessoas cadastradas e os tratamentos estão impossibilitando a doação desses órgãos.
Órgãos (ABTO). A cada milhão de pessoas, menos disponíveis gratuitamente à população pelo Sistema Mais informações: www.biometrix.com.br
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