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Reportagem Especial                                                                            Texto: Regina Prado   |   Foto: arquivo pessoal


                      Má gestão e ingerência política comprometem

                    todo o setor da saúde, pública e privada, do país



               Especialista aponta que defasagem antiga em tabelas de remuneração de serviços na área de saúde pública e ainda a
              falta de coordenação e gerenciamento obrigam a que se reduza o atendimento ao SUS por questão de sobrevivência.
                  Roberto Madid é Diretor Executivo no Setor de Saúde com 32 anos de atuação no segmento, com passagens
                  por banco de sangue, hospitais públicos e privados, santas casas, medicina diagnóstica, operadoras de saúde e
                   cooperativas médicas. Atualmente participa de vários conselhos de administração e está à frente do projeto
                Unique Medical Center em Maringá/PR. Para ele, o futuro depende de gerenciamento competente e coordenado
                                                         e foco na Atenção Primária.


                                                  todos os níveis da administração pública de   Não paga em dia, ou simplesmente não
                                                  saúde do país. Governança e compliance zero.   paga. Em Campo Grande/MS veja o histórico
                                                  A preocupação sempre foi direcionada para   político: estiveram presos governador e dois
                                                  parte técnica e médica de atuação e muito   prefeitos,  fora vários  deputados  federais
                                                  pouco na estratégia de organização, gestão   e estaduais denunciados e respondendo a
                                                  e administração do modelo de saúde. Com a   processos, e isso apenas nos últimos cinco
                                                  retomada da economia que se vislumbra com   anos. As Santas Casas são essenciais para
                                                  a  nova  gestão  do  país,  com  os  indicadores   manter de pé o atendimento à população
                                                  econômicos apontando crescimento, o número   carente no país. Apesar disso, são muito mal
                                                  de beneficiários na saúde suplementar deve   remuneradas pelos serviços de complexidade
                                                  crescer na mesma medida pois é diretamente   que prestam. A conta não fecha. Os valores
                                                  proporcional ao volume de empregados.       não são reajustados há mais de quinze anos!
                                                  Acredito que devemos fechar 2020 com        Na sua grande maioria estão em situação
                                                  acréscimo entre 750 mil a 1 milhão de novos   financeira desesperadora. Não adianta novas
                                                  beneficiários, mesmo porque as operadoras   linhas de crédito como faz o governo atual. É
                                                  estão modelando e oferecendo produtos mais   necessário remunerar condizentemente pelos
                                                  acessíveis.                                 serviços prestados.

                                                     Lab -  Segundo especialistas, a segmentação   Lab -  Segundo recente artigo de Leandro
                                                  entre setores público e privado (24% da população   Fonseca  da  Silva,  Diretor-Presidente  da
                                                  ainda é coberta por planos de saúde), sem uma   Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
                                                  coordenação estabelecida, pode comprometer a   “mais de 50% do total despendido no país com
                                                  qualidade do atendimento em saúde no país. A   saúde é feito por entes privados, sendo que
                                                  parceria com as Organizações Sociais de Saúde   52,8% dos gastos privados realizados por meio
                                                  (OSS) é uma boa alternativa para o SUS? Segundo   de operadoras de planos de saúde. Esse padrão
                                                  a legislação, elas podem “quarteirizar” o serviço   é diferente dos países da Organização para
                                                  prestado. Como pode  ser avaliada  a qualidade   Cooperação  e  Desenvolvimento  Econômico
                                                  deste trabalho?                             (OCDE), por exemplo, nos quais a despesa
                                                     Madid  -  Por  que  existe  a quarteirização?   pública com saúde, em média, é de 73,4%”.
       Para Roberto Madid, a quarteirização dos serviços   Exatamente pela ineficiência da gestão   Com estes dados em mãos, o que o Brasil deve
       prestados pelas OSS está diretamente ligada à má   pública. Gastar mais para contratar empresas   reformular para otimizar os gastos aplicados
       gestão pública dos recursos.               para que façam o que o ente público não faz.   na saúde?

                                                  É um círculo vicioso e que abre margens       Madid - O Brasil gasta pouco com saúde
          Labornews -  Nos últimos cinco anos, 3   para má aplicação do recurso público. A    e gasta mal. A proporção reflete a pouca
       milhões de pessoas  perderam  seus planos   tendência é aumentar a abrangência do setor   abrangência que o serviço público tem. O
       de saúde no Brasil. Em grande parte devido   de saúde suplementar pela ineficiência do   setor suplementar vem crescendo cada vez
       ao desemprego, já que 70% dos planos  são   setor público. Não sou contra OSS, mas não é   mais e continuará assim. O nosso atual modelo
       empresariais, e em outros casos por opção,   isso que vai resolver o problema. Se fizermos   de  saúde  pública  é  reativo  e  não  proativo  e
       devido ao aumento das anuidades, bem       uma peneira fina nas centenas que existem,   preventivo.
       acima da inflação, e ainda pela novidade da   acredito que poucas realmente tem expertise,
       coparticipação  nos  custos  do  tratamento.   experiência e capacidade técnica comprovada.   Lab – Como o senhor avalia as demandas do
       Sem uma perspectiva concreta de mudanças   Muitas foram criadas para fins e “objetivos   setor de análises clínicas, que tem a remuneração
       a médio prazo no volume de desempregados   específicos”.                               pelo SUS defasada em mais de duas décadas de
       no país, por exemplo, como o setor de saúde                                            prestação de serviços?
       deveria se organizar para receber esta nova   Lab -  Como foi  sua experiência  na       Madid  - A remuneração do SUS não
       demanda no SUS?                            superintendência da Santa Casa de Campo     sustenta nenhum dos players do segmento.
                                                  Grande (MS)? Já há alguns anos vemos as
          Madid - A saúde pública nunca foi                                                   A  remuneração  está  defasada  não  apenas
                                                  enormes  dificuldades  econômicas  de  hospitais
       priorizada como deveria em nenhum dos                                                  para análises clínicas, mas para tudo. Quem
                                                  filantrópicos  em  todo  o  país.  Por  que  é  difícil
       últimos governos no Brasil. A  divisão em                                              depende ser remunerado pelo sistema SUS
                                                  equilibrar estas finanças?
       hospitais federalizados, estaduais e municipais                                        não consegue sobreviver. Na maioria dos
       é muito prejudicial para organização do       Madid - Fomos contratados para um projeto   casos reduz o atendimento ao SUS para
       sistema atual. A divisão de verbas, que já é   de “turnaround” no intuito de equilibrar as   menor proporção possível e passa a atender
       escassa, fica injusta e desigual. A atuação   contas da entidade. Fizemos. O problema é   convênios e particulares para poder equilibrar
       não é ordenada e priorizada. Falta gestão em   que o ente público não cumpre o acordado.   suas contas.
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