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Opinião

Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum
Professor Titular pela UNESP
Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia,
Acadêmico da ARLC
a.c.t@terra.com.br

A cura do câncer no rastro de sagas e tragédias

O câncer é conhecido há mais de dois causada pelo gás de mostarda na medula óssea. Nos anos 70 foram desenvolvidas os drogas
milênios, quando Hipócrates (460 - 370 AC) fez a A mielodepressão diminui a produção de células inibidoras de enzimas e hormônios para usos
primeira descrição científica entre a semelhança do sangue, principalmente de leucócitos. A terapêuticos. Já se sabia que o estrogênio
do tumor com a forma de caranguejo, dando-lhe partir dessa descoberta a mostarda nitrogenada atuava como principal causador de câncer
a designação de “karcinos”. passou a ser usada no tratamento de leucemia de mama por induzir as células mamárias
A busca por seu tratamento ou cura ocorreu e linfomas para impedir que as células destas de tumor primário a se multiplicarem. Após
desde o momento em que a dor passou a doenças se dividissem. No entanto, seus efeitos muitos experimentos a indústria farmacêutica
incomodar. A primeira cirurgia que se tem notícia tóxicos limitaram seu uso. desenvolveu uma droga (tamoxifeno) que
ocorreu em 475 AC, quando a rainha Atossa Em 1948, Sidney Farber, um médico pediatra bloqueava o receptor de estrogênio dentro
pediu a uma serva que lhe decepasse com uma de Boston, cansado de ver seus pequenos das células tumorais de mulheres com câncer
faca a sua mama inflamada pelo câncer. Entre paciente morrerem de leucemia linfoblástica de mama, impedindo o crescimento do
a idade média e princípios do século 20, os aguda, decidiu usar bloqueadores de ácido fólico tumor e tornando sua cura mais fácil. Outros
curandeiros, benzedores e pajés, usavam ramos, (ou antimetabólicos) que diminuem a oferta de medicamentos que regulavam o metabolismo
folhas ou raízes de plantas para aplacarem as bases nitrogenadas para formarem DNA. Teve patológico das células cancerosas também
inflamações e ulcerações decorrentes desta sucesso parcial ao observar que esta terapia foram descobertos nos anos 70 e 80.
doença. Somente em 1906 os experimentos fazia as células leucêmicas perderem suas Mas foi entre 1985 e 1990 que a terapia
do biólogo alemão Paul Erlich revelaram que capacidades de se multiplicarem, porém, apenas anticâncer alcançou o auge de forma indireta.
alcaloides obtidos de extratos de flores da árvore nas fases iniciais do tratamento, mas depois a Neste período, a busca de medicamentos
“vinca rósea” eram capazes curarem inflamações leucemia retornava mais agressiva. Após 1950 para curar pacientes com a síndrome da
e diminuírem os tamanhos de tumores malignos. a indústria farmacêutica despejou milhões de imunodeficiência adquirida (AIDS) produziu
Anos depois descobriram que estes alcaloides antibióticos para tratar doenças causadas por incríveis conhecimentos sobre biologia
bloqueavam a divisão de células tumorais, e bactérias, por exemplo, tuberculose, meningite, molecular, receptores e sinalizações celulares.
o extrato terapêutico da vinca rósea recebeu pneumonia etc. No entanto, o uso indiscriminado Muitas destas pesquisas não beneficiaram
o nome de vincristina, também conhecido por de antibióticos induziu a resistência bacteriana diretamente os pacientes aidéticos, mas foram
oncovin. Mas foi durante a Segunda Grande contra seus efeitos, e a partir daí foram úteis para serem usados na identificação de
Guerra (1939/1945) que ocorreu uma inusitada produzidos antibióticos com extrema potência tipos de câncer e tratamentos da doença.
descoberta. Os médicos que tratavam os terapêutica, muitas vezes tóxicos aos usuários. Por conta disso a imunologia evolui e foram
feridos de guerra verificaram que o temível Os médicos descobriram que esta toxicidade desenvolvidos os anticorpos monoclonais
gás de mostarda usado como arma química atingia também as células cancerosas, e passaram de alta especificidade, também conhecidos
causava infecções, anemia e sangramento, a usar estes antibióticos como meio auxiliar da como drogas alvo ou terapia alvo contra
além de graves lesões ulcerativas na pele e quimioterapia em tratamentos de câncer com a células cancerosas. E é nestas buscas em cima
em mucosas do sistema respiratório. Estudos designação de adjuvantes terapêuticos. Como se de sagas e tragédias que esperamos outros
realizados nestes combatentes mostraram que sabe, estes antibióticos potentes associados com progressos científicos resultantes das recentes
as infecções, anemia e sangramento se deviam quimioterápicos desfazem as moléculas de DNA descobertas para aplacar as consequências
à mielodepressão proveniente da intoxicação envolvidas na reprodução das células tumorais. patológicas causadas covid-19.

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