Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. O termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa. Quem decreta a pandemia é a própria OMS, justamente ao perceber que vários países do mundo estão de alguma forma sendo afetados por uma bactéria ou vírus e que esta doença está alastrada, consequentemente há necessidade de cuidados sanitários. Se esse conceito não for definido, começam a existir dificuldades para combater, entender a doença e principalmente como controlá-la.
Neste instante, ainda não se pode dizer que estamos fora do ambiente de pandemia, vista a existência muito alta de casos em muitos lugares do mundo, principalmente devido a essa nova variante mais transmissível, denominada Ômicron. Mesmo assim, é verdade que, hoje, vários países já pensam em alguma forma possível de convivência com essa doença.
Depois da pandemia, existe um outro estágio chamado “emergência sanitária” e só após, quando tudo estiver mais controlado, é que se chega ao estado de endemia. Muitas nações já sinalizam para esta condição. Isso significa conviver com a doença, sabendo que existe uma série de medidas não farmacológicas e farmacológicas – sendo a vacina a principal – que de alguma forma manterá a vida próxima da normalidade, cuja convivência com a COVID-19 será possível.
A impressão que se tem é que esse estado de endemia, desejado por todos, ainda demorará alguns meses para ser alcançado. É claro que dependerá da situação de cada um dos países. Aparentemente os países, que estão decretando a COVID-19 como uma doença endêmica, estão tomando essas ações fundamentadas em análises próprias e locais, não levando em consideração o resto do mundo, onde de fato existe uma pandemia. Ainda hoje, o Brasil registra uma média móvel alta de mortes. Este valor é comparável a perdas de vida em guerra.
Parece-me que essas definições deveriam ser analisadas estritamente sob o ponto de vista médico e científico, mas trazem muito do componente político de cada país. Parte destas nações terão um processo eleitoral no ano de 2022, assim como o Brasil. Mesmo os que não são processos majoritários como aqui (eleição para presidente), processos minoritários são fundamentais para garantir a sobrevivência do cargo político de maior destaque durante o seu mandato. Nos EUA, Donald Trump morreu politicamente, não só pela pandemia, mas também pelo fato de não dominar a Câmara.
E assim essas preocupações começam a aflorar também nesse instante. Muito daquilo que era considerado efeito econômico, já começa a ser vencido. Existe hoje um aumento do fluxo de mercadorias, produtos, vendas, mercado imobiliário e de turismo que retornaram praticamente a sua normalidade. Neste contexto, esses países buscam uma renovação política.
Existem outras regiões que trazem essa realidade para este desenho sem uma notória preocupação política, mas fazem isso de uma forma distinta ao analisar a saúde pública e a própria sociedade. A Noruega é um grande exemplo. Por lá, foi decretado normalidade². Não é necessário o uso de máscaras, eventos esportivos e shows estão ocorrendo sem restrições de públicos e tudo está “normal”. Nota-se que existe um esforço dos países em buscar essa “normalidade”, principalmente dos que já atingiram um alto índice de vacinação.
Mas como ainda se vive globalmente em um ambiente de pandemia, mesmo esses lugares reconhecem-no e os controles realizados na aduana e nas barreiras sanitárias continuam mesmo que minimamente. Muitas vezes essas ações, para a grande maioria da população, são invisíveis. Quem não viaja para o exterior, não sabe que existem esses tipos de intervenções. Hoje, a prioridade no Brasil é muito diferente da preocupação em viajar para o exterior.
Então, necessariamente precisa-se voltar ao tópico vacinação. Ela é fundamental para que o nosso país possa atingir esse padrão de endemia. Grande parte das nações, que estão buscando esse conceito, são regiões que já atingiram altos níveis de imunização. Mas, como o mundo vive uma pandemia e a situação é singular de país para país, existem regiões que contam com apenas 10% da população vacinada com uma dose. No nosso país, observa-se que, embora mais de 70% da população foi vacinada com duas doses e 20% com três doses, há um número muito grande de pessoas que tomaram só a primeira dose e não retornaram para a segunda.
Muitas vezes, esse indivíduo precisa se locomover dezenas de quilômetros para completar o esquema vacinal. Por conta disso, acaba desistindo. No Brasil, além disso tudo, ainda é possível encontrar uma certa resistência à vacinação infantil. Sabe-se que cerca de 20% da nossa população encontra-se na faixa etária de 0 a 11 anos: estamos falando de quase 30 milhões de crianças que precisam ser vacinadas. Não sendo, com certeza irão contrair ou serão vetores da doença. Indubitavelmente, a vacinação infantil hoje se tornou uma ação prioritária em qualquer país que queira sair desta fase de pandemia e ir para a fase de endemia.
Muitas vezes esse vírus não se manifesta ou apresenta poucos sintomas ao seu hospedeiro e isso se confronta com uma janela de oportunidade surgindo. A Ômicron infectou muita gente: todo mundo tem um conhecido que foi contaminado ou adquiriu o vírus durante os últimos meses. Essa condição de quando se está doente revela a oportunidade de existir por um breve período – normalmente de três a quatro meses – uma janela em que se cria imunidade própria. É o que chamam de imunidade de rebanho ou coletiva.
É preciso então aproveitar essa oportunidade para vacinar todos os que ainda não foram vacinados. Vai ser perceptível a diminuição dos casos, prontos-socorros atendendo menos pessoas, menos internações, menos ocupação de UTI…, mas é uma janela. É preciso perseverar muito na vacinação principalmente com aqueles que tomaram só a primeira dose, os que ainda precisam tomar a terceira e as crianças. Logo, corre-se o risco de essa janela desaparecer e voltarmos ao estágio que estávamos ou com o surgimento de uma nova variante. Seria um ato de irresponsabilidade técnica-científica e política saber que existem todas essas variantes e comprovações científicas para não tomar as atitudes necessárias.
Nós não estaremos seguros enquanto esse número exacerbado de pessoas estiver sendo contaminadas e internadas diariamente. Hoje em dia quase não se têm mais barreiras no nosso país: circula-se de carro de um estado para outro sem nenhuma restrição. Apesar de considerar uma ação correta, esta pode se tornar arriscada, podendo ocasionar um retorno de um outro vírus ou de uma nova mutação.E para isso é preciso perseverar na vacinação. Se possível vacinar 100% da população, já que o conceito de imunidade já está abandonado no caso da COVID -19. Ela não é suficientemente atuante durante muito tempo para que isso aconteça. Não é como o sarampo que, ao se contaminar uma vez, consegue a imunização até o fim da vida. No caso da COVID-19, só é possível adquirir a proteção quando estiver vacinado.