As plaquetas sempre foram consideradas como a “terceira célula do sangue”, atrás de leucócitos e hemácias. A preferência quase apaixonada dos citologistas de hematologia por leucócitos se deve às suas múltiplas faces celulares, que se modificam diante das infecções virais e bacterianas, e leucemias. Os eritrócitos também tem seus atrativos através de mudanças de formas, alterações de colorações e presença de inclusões, que permitem auxiliar diagnósticos de anemias. Já as plaquetas, coitadas! Se pudéssemos comparar as células do sangue com automóveis, as plaquetas seriam o Fiat 147 GL, enquanto que os eritrócitos estariam mais para um Land Rover, e os leucócitos nada menos que uma Ferrari 458 Spider. Mesmo assim, as plaquetas com seus diminutos tamanhos e sem muitas variações de formas, assumem relevância quando estão diminuídas (plaquetopenias) ou aumentadas (plaquetoses). Sabe-se que as plaquetopenias sempre tiveram importâncias clínicas relacionadas com sangramentos espontâneos. Há poucos anos elas ganharam notoriedade durante um surto de dengue, quando sua diminuição numérica revelava piora de quadro clínico de paciente infectado pelo vírus da doença. Mas não podemos esquecer que as plaquetas também tem notável destaque no acompanhamento de pacientes oncológicos; nestes, as plaquetopenias se revelam sensíveis marcadores biológicos de toxicidades causadas por medicamentos quimioterápicos. No início dos anos 90 estas pequenas células tiveram seus momentos célebres quando descobriram que o uso de plasma rico em plaquetas minimizava os sangramentos em cirurgias complexas.
No entanto surpresas acontecem. Em 2013, uma equipe de cientistas franceses descobriu que pessoas em fase inicial de câncer podem ter suas plaquetas “enganadas” por células tumorais. Estes cientistas identificaram que alguns tipos de células cancerosas são capazes de sintetizarem receptores de membrana que atraem plaquetas para sua superfície celular, vestindo-as como se fossem “capas de plaquetas“. Este fato pode ser visto através de análises citológicas em esfregaços de sangue de pessoas com câncer como agregados de plaquetas. E é desta forma que alguns tipos de células cancerosas enganam o sistema imune. Como se sabe, o sistema imune é a primeira linha de combate natural contra o surgimento de células tumorais, então é obvio que se estas células estiverem “vestidas” de plaquetas o sistema imune não as matarão, pois as plaquetas são células amigas e compõe o grupo celular normal do organismo da pessoa. Trata-se, assim, de uma camuflagem biológica que permite o trânsito tranquilo de células tumorais através das vias sanguíneas para se instalarem em outros órgãos e causarem metástases. Portanto, aquele inocente agregado de plaquetas que algumas vezes observamos em sangue coletado de pacientes com câncer – e que não desagrega, mesmo mudando o tipo de anticoagulante, é um fato que deve ser pesquisado com a seguinte pergunta:
– Por que estas plaquetas não se desagregam?
Outra importância das plaquetas recentemente descoberta é a sua efetiva participação no combate imunológico às infecções bacterianas. Muitas vezes, durante estas infecções, ocorrem diminuições de plaquetas no sangue. Os médicos consideram estas diminuições como mau prognóstico clínico da infecção. Mas qual a razão desta diminuição? Se sabe desde há muito tempo que em infecções bacterianas podem ocorrer lesões nas paredes de pequenos vasos sanguíneos do tecido infectado. Para evitar sangramentos, as plaquetas se ativam e fazem um tampão plaquetário para estancar o sangue nas regiões vasculares lesionadas – fenômeno conhecido por hemostasia primária . Recentemente, os cientistas desvendaram que na composição do tampão plaquetário de pessoas infectadas por bactérias Gram negativas há muitos neutrófilos aprisionados no seu interior… e com bactérias fagocitadas. Ou seja, as plaquetas também fazem parte do nosso sistema imune!Durante a pandemia da Covid-19 o pulmão foi o órgão mais devastado pelo vírus, fato que motivou inúmeros estudos de sua fisiopatologia. Foi dessa forma que descobriram que entre 30 a 50% das plaquetas circulantes são produzidas justamente no pulmão, além da medula óssea. E é por todas estas recentes descobertas que as plaquetas, embora não tão bonitas quanto os leucócitos e nem charmosas quanto os eritrócitos, parecem ser mais importantes do que sempre imaginamos.