Em 1796, o médico britânico Edward Jenner realizou um experimento que resultou na descoberta da primeira vacina do mundo, contribuindo para a erradicação da varíola, doença que assombrou a humanidade por mais de três mil anos. Jenner observou que as vacas tinham feridas de pus muito parecidas com as que eram transmitidas pelos humanos, mas as mulheres que faziam as ordenhas dos animais e tinham essas feridas não desenvolviam as formas mais graves da doença, que matou cerca de 500 milhões até o século XX. Ele resolveu pegar esse pus das mãos machucadas das mulheres ordenhadoras, fez uma diluição e injetou como teste em uma pessoa, teoricamente o primeiro ensaio de vacina. É por isso que a palavra vacina tem origem no latim “vaccinus”, que significa “derivado da vaca”.
Os humanos sempre buscaram remédios para as doenças. Mas a relação entre o homem, a ciência e as vacinas nem sempre foi simples. As pessoas não entendiam que vacina não é remédio. Ela faz parte de um movimento para prevenir doenças e o tempo tem demonstrado que esse objetivo tem sido atingido. Considerada um dos maiores avanços da ciência, a vacinação evita anualmente entre dois e três milhões de mortes por doenças preveníveis, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). E poderia evitar outras 1,5 milhão, se as campanhas fossem mais frequentes pelo mundo.
Apesar dos avanços tecnológicos e do maior acesso à informação, convivemos atualmente com a propagação de notícias falsas (fake news), principalmente pelas mídias sociais, que deram origem e sustentam o chamado movimento antivacina. A publicação de um artigo, em 1998, pela revista “The Lancet” foi o estopim. O texto sugeria uma relação entre a vacina tríplice viral e o desenvolvimento de autismo, o que foi prontamente combatido pela comunidade científica. Ficou comprovada a inexistência de relação entre a vacina e o autismo, a licença médica do autor foi cassada, mas o estrago, infelizmente, estava feito.
O problema é tão sério que a OMS coloca o movimento antivacina como uma das dez principais ameaças à saúde global. Em plena pandemia de coronavírus, onde a vacinação é a principal esperança de retorno à vida “normal”, a recusa da imunização por parcela da população pode estender a ameaça da Covid-19 por mais tempo que o necessário, além de expor as nações ao risco de aumento no número de surtos e epidemias de doenças já erradicadas.
No Brasil, essa percepção negativa em relação ao imunizante não é muito forte e vem no bojo desse desenho do atual governo. O brasileiro, aliás, carrega uma herança sociocultural da vacina e temos que, com informações sérias e confiáveis, manter essa condição. O Zé Gotinha, personagem criado para a campanha contra a poliomielite em 1986, foi abraçado de prontidão pelas famílias e ainda vive no imaginário de muitos adultos. A carteira vacinal para os brasileiros é um documento tão importante como qualquer outro de identificação e nos acompanha da infância à melhor idade. Somos tão habituados à vacinação que muitas campanhas apresentam filas enormes, a exemplo da mais recente, contra o novo coronavírus.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI), que existe desde 1973, mudou o perfil epidemiológico das doenças imunopreveníveis no país e é referência mundial há décadas. Os resultados da vacinação contra a Covid-19 evidenciam a expertise nacional na área. O Brasil vacina diariamente cerca de 1,2 milhão de pessoas e tem infraestrutura para mais. Poucos países conseguem essa façanha.
Em 7 de dezembro, 77,5% da população brasileira tinha recebido a primeira dose e 65% a segunda ou dose única. Nos EUA, por exemplo, que iniciaram a vacinação cerca de um mês antes, os percentuais eram, na mesma data, de 71,7% e 60,1%, respectivamente. França e Reino Unido, também com mais tempo de campanha, tinham índices bem próximos aos brasileiros.
Graças à imunização conseguimos erradicar ou controlar várias doenças, como febre amarela, poliomielite, sarampo, rubéola, tétano, coqueluche e hepatite B. E contra a Covid-19 ela tem se mostrado eficiente. A pandemia, porém, comprometeu o sistema de vacinação contra outras doenças em pelo menos 68 países, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Isso significa que cerca de 80 milhões de crianças menores de um ano podem contrair doenças preveníveis através das vacinas.
Precisamos, com os devidos cuidados e sem expor a população a riscos desnecessários, retomar as campanhas e, principalmente, contribuir no combate às fake news.
Vacinação é uma das maiores conquistas da humanidade e proteção para toda a sociedade.
Além disso, em um país com a dimensão continental do nosso e realidades tão díspares entre os estados, é um instrumento que promove a igualdade ou, no mínimo, contribui para a redução das desigualdades sociais.