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Opinião

                    Giannina Ricci, PhD
                    Biomédica, Mestre em Ciências da Saúde pelo Dep.de Patologia/
                    UNIFESP (SP), Doutorado realizado através do convênio CAPES/DAAD entre o Instituto de Doenças Tropicais,
                    Universidade de Tübingen, Alemanha e Depto de Patologia / UNIFESP.
                    Diretora Executiva do Centro de Diagnóstico e Pesquisa em Biologia Molecular Dr Ivo Ricci
                    info@biomolricci.com
                          Candida auris: uma nova espécie emergente


         Como  sabemos,  o  corpo  humano  hospeda  uma   hospital japonês em 2009 (Satoh K, e col., 2009).  em paciente hospitalizado para que as unidades  de
       grande variedade  de  microrganismos  que  cumprem   Ao  contrário  de  outras  espécies  de  Candida, a  C.   saúde  tomem precauções  especiais  para impedir sua
       funções  essenciais  na  defesa  e  equilíbrio  da  saúde   auris emergiu como uma ameaça nosocomial, exibindo   disseminação.
       humana.  No  entanto,  sob  determinadas  condições   rápida  transmissão  pessoa  a  pessoa  e  causando   Ocorrendo  surtos intra  e extra  hospitalares  no
       eles podem se transformar de comensais a patógenos   doença invasiva crítica. Investigações recentes estão   mundo  inteiro  (persistência  e  colonização)  (Anna
       oportunistas  e  consequentemente  causar  infecção.   apenas começando a lançar luz sobre os mecanismos   Jeffery-Smith).
       Comunidades  fúngicas,  que  podem  incluir  Candida   de  patogenicidade  dessa  infecção  mortal.  Em  vários   Cenário no Brasil:
       spp, constituem uma parte integrante da microbiota   modelos de doença invasiva, cepas de C. auris exibem   Vale  a  pena  chamar  atenção  para  o  cenário
       humana  que,  em  condições  normais,  colonizam,  de   virulência semelhante a das espécies mais agressivas   que  o  mundo  inteiro  está  vivendo  em  função  das
       forma  assintomática,    vários  nichos,  incluindo    pele,   de Candida. A observação de que os neutrófilos exibem   internações  em  decorrência  do  SARS-CoV-2  e  que
       cavidade  oral,  trato  gastrointestinal  e  urogenital.  A   atividade reduzida contra C. auris pode contribuir para   pode gerar um ambiente propício para outros fungos
       notável capacidade de alternar entre microambientes   resultados ruins para pacientes com doença invasiva.   (como  Aspergillus, Mucor,  Fusarium,  dentre outros),
       locais, internos do hospedeiro, como: sangue ou   No entanto, a alta mortalidade por candidíase invasiva   mas  infelizmente,  nenhum  deles  e  nem  mesmo  a
       tecidos, está frequentemente ligada ao seu potencial   provavelmente  também  reflete  as  comorbidades  e   COVID-19  apresenta  a  alta  mortalidade  e  velocidade
       patogênico.  Portanto,  as  mudanças  ambientais   hospitalizações  prolongadas  para  esta  coorte.  (Nett   em transmissão que a infecção pela Candida auris tem.
       promovidas  por  alterações  na  microbiota  ou  no   JE, 2019). Outro detalhe importante é que as razões por   Portanto, o estado de alerta é fundamental para que
       sistema  imunológico  do  hospedeiro  podem  permitir   trás do recente surgimento desse fungo permanecem   esse patógeno venha  agravar  ainda mais o quadro
       que  esses  microrganismos  cruzem  as  barreiras   um mistério até o momento, uma vez que as análises   terrível que estamos vivendo.
       epiteliais  e  causem  infecções  graves  com  ameaça  à   genéticas indicam que este patógeno fúngico emergiu   Só  para  lembrar,  em  março  de  2017,  a  ANVISA
       vida (Alves R, e col., 2020).              simultaneamente  em  vários  continentes  diferentes,   através  do  comunicado  de  risco  nro.  01/2017-  VIMS/
         Vale lembrar que Candida é um microrganismo em   onde  5  clados,  geneticamente  distintos,  de  C. auris   GGTES/ANVISA,  orientou  a  vigilância  laboratorial
       forma de levedura que pertence ao reino dos fungos   foram isolados de áreas geográficas distintas (DuH et   que os casos suspeitos  de  Candida auris  fossem
       e  cuja  classificação  científica  é:  divisão:  Ascomycota;   col. 2020)             encaminhados  para  a  Rede  Nacional  que  ficou
       Classe  Saccharomycetes;  ordem  Saccharomycetales,   De  acordo  com  o  CDC  (Centro  de  Prevenção  e   responsável  pela  identificação  da  C. auris  no  Brasil.
       família  Saccharomycetaceae  e  gênero:  Candida.  Está   Controle  de  Doenças,  Atlanta,  Estados  Unidos)  ,  o   Mesmo assim, e apesar do alerta mundial, a maioria
       distribuída mundialmente, é um organismo comensal   motivo de preocupação em relação a  Candida auris,   dos  profissionais  brasileiros  continuava  alheio  a  sua
       e  não  é  transmitida  entre  humanos.  Esse  gênero   considerado fungo emergente,  e que representa uma   existência  e  letalidade,  não  obstante  relatórios  e
       contém, aproximadamente, 200 espécies, sendo, pelo   séria  ameaça  à  saúde  global,  se  deve  a  três  razões   artigos. Para se ter uma ideia, o fungo foi visualizado
       menos 30 reconhecidas como patogênicas ao homem,   principais  (https://www.cdc.gov/fungal/candida-auris/  pela primeira vez em 1996 na Korea do Sul, embora só
       e é agente desde infecções superficiais até invasivas   identification.html):          foi reconhecido posteriormente,  a partir de exames
       (candidemias) e a lista continua a se expandir (Mary E.   1)  Muitas  vezes,  é  multirresistente,  o  que  significa   mais  apurados  (Lee  WG  e  col.,  2011).  O  relato  mais
       Brandt and Shawn R. Lockhart, 2012).       que é resistente  a vários medicamentos antifúngicos   notório da identificação de C. auris ocorreu em 2009 no
         Importante  recapitular  que  as  infecções  fúngicas   comumente usados para tratar infecções por Candida.   Japão e a partir daí foram registrados novos casos na
       da corrente sanguínea (IFCS) podem ser graves e estão   Algumas cepas são resistentes a todas as três classes   Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e na Venezuela.
       associadas  a  um  aumento  drástico  na  mortalidade  e   disponíveis de antifúngicos.  Em  2016,  a  Organização  Pan-Americana  da  Saúde/
       nos  custos  de  saúde.  Nesse  cenário  podemos  citar  a   C. auris apresenta multirresistências aos principais   Organização  Mundial  da  Saúde  (OPAS/OMS)  fez  um
       Candida  spp.  como  importante  agente  etiológico  de   grupos de antifúngicos. O uso generalizado de drogas   alerta  para  todos  os  serviços  de  saúde  da  América
       candidemia  -  predominante  da  sepse  fúngica.  Dessa   antifúngicas  tem  sido  sugerido  como  uma  causa   Latina para que adotassem medidas de prevenção e
       forma a sua identificação imediata e em nível de espécie     contributiva no surgimento de C. auris (Chowdhary A,   controle com a finalidade de se evitar surtos. Porém o
       pode  influenciar  o  resultado  e  a  sobrevida  do  paciente   Sharma C, Meis JF 2017). Considerando que a seleção   primeiro caso que se tem notícia, no Brasil, ocorreu no
       (Gabor Fidler, e col., 2018). De acordo com a literatura,   pelo  uso  de  azóis  ambientais  pode  certamente  ter   início de dezembro deste ano na Bahia em um paciente
       90% das micoses invasivas são causadas por 5 espécies   contribuído para a resistência aos medicamentos nessa   que estava na UTI em decorrência de COVID-19, sendo
       (C. albicans, C. glabrata, C. tropicalis, C. parapsilosis e C.   espécie de fungo, isso não explica facilmente por que   emitido, pela ANVISA, novo comunicado em 07/12/2020
       krusei) e cada uma delas apresenta potencial de virulência,   esse organismo de  repente se  tornou um  patógeno   como  Alerta de Risco GVIMS/GGTES/ANVISA  nro.
       susceptibilidade antifúngica e epidemiologia únicos, mas,   humano em três continentes (Arturo Casadevall e col.,   01/2020.
       como um todo, são causadoras de infecções significativas   2017).  O  problema  é  que  os  isolados  costumam   Em resumo: A doença causada pelo novo coronavírus
       (Peter G. Pappas e col., 2016)             exibir resistência a várias classes de medicamentos   da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), tem
         Em  abril  de  2019,  Matt  Richtel  e  Andrew  Jacobs   e  a  doença  invasiva  carrega  uma  taxa  de   se  espalhado  pelo  mundo.  Com  base  em  uma  análise
       publicaram um artigo no New York Times cujo título “A   mortalidade surpreendentemente alta, chegando a   retrospectiva dos dados de SARS e influenza da China e de
       Mysterious Infection, Spanning the Globe in a Climate of   60% (Nett JE, 2019).        todo o mundo, os autores presumiram que as coinfecções
       Secrecy”cuja  tradução  livre  é  “Uma infecção misteriosa,   2)  É  difícil  identificar  com  métodos  de  laboratório   fúngicas associadas à COVID-19 podem ser diagnosticadas
       abrangendo o globo em um clima de sigilo”. Obviamente,   padrão  e  pode  ser  identificado  incorretamente  em   incorretamente, assim como alertado pelo CDC e dessa
       um título extremamente intrigante e  que nos remete a   laboratórios  sem  tecnologia  específica.  A  identificação   forma, não serem notificadas, além de agravar o quadro
       pensar no seu aspecto dramático. Nesse artigo, Richtel &   incorreta pode levar a uma gestão inadequada.  do  paciente  já  debilitado.  Embora  existam  poucas
       Jacobs escreveram que os exames de um paciente idoso,   C. auris pode ser erroneamente identificada como   publicações, os pacientes com COVID-19, especialmente os
       internado  no  Mount  Sinai  Hospital,  no  Brooklyn,  Nova   uma série de organismos diferentes ao usar métodos   gravemente doentes ou imunocomprometidos, têm maior
       York, Estados Unidos, onde seria submetido a uma cirurgia   fenotípicos tradicionais para identificação de levedura,   probabilidade de serem acometidos por micoses invasivas.
       abdominal, revelaram a presença de um microrganismo   como VITEK 2 YST, API 20C, sistema de identificação   Dessa forma, as infecções causadas por Candida, ou outros
       recém  descoberto  e  tão  mortal  quanto  misterioso,   de  levedura  BD  Phoenix  e  MicroScan.  Jeffery-Smith,   fungos, nesses pacientes exigirão detecção precoce por
       A  unidade  de  terapia  intensiva  em  que  o  paciente  se   A e col. (2018), em revisão na literatura, salientaram   meio de uma intervenção diagnóstica abrangente (através
       encontrava foi isolada. Tal microrganismo foi identificado   a  dificuldade  no  diagnóstico,  quer  através  de   histopatologia, exame microscópico direto, cultura,
       como o fungo Candida auris. O paciente morreu após 90   métodos convencionais  usando tipagem  bioquímica,   (1,3)-β-D-glucana, galactomanana e ensaios baseados em
       dias, mas o fungo não. Os testes revelaram sua presença   diagnósticos fenotípicos quando comparados com as   PCR) para garantir a eficácia dos tratamentos. Os autores
       em todo o quarto, sendo necessário equipamento especial   técnicas moleculares. A identificação precisa pode ser   sugerem que os profissionais de saúde sejam prudentes ao
       para limpeza além de remoção de parte do teto e piso   realizada a partir da análise proteômica (MALDI-TOF)   avaliar os fatores de risco, os tipos de micose invasiva, os
       para erradica-lo. E segundo Dr. Scott Lorin, presidente do   pelos  sistemas  VITEK  MS  e  Bruker  Biotyper  usando   pontos fortes e as limitações dos métodos diagnósticos,
       hospital, “Tudo dentro do quarto testou positivo, desde   seus  bancos  de  dados  “somente  para  pesquisa”.  O   bem  como  as  configurações  clínicas  e  a  necessidade
       paredes, cama, portas, cortinas, telefone, pia, quadro de   sequenciamento  molecular  tanto  do  domínio  D1-D2   de  tratamento  padrão  ou  individualizado  em  pacientes
       aviso,  colchão,  incluindo  os  recipientes  e  suportes  para   da  região  28S  do  rDNA  ou  da  região  do  espaçador   infectados pelo novo coronavírus (Song, G., Liang, G. & Liu,
       medicação.”   (https://www.nytimes.com/2019/04/06/  transcrito  interno  (ITS)  do  rDNA  também  é  outra   W.2020).
       health/drug-resistant-candida-auris.html).  ferramenta que pode identificar C. auris (https://www.  Portanto, o alerta foi dado e todo o sistema de saúde
         Candida auris no cenário de SARS-COV-19.  cdc.gov/fungal/candida-auris/identification.html; David   deve estar atento a esse fungo, como descrito no portal da
         A denominação “auris”, foi dada em função dessa   Sears, Brian S. Schwartz, 2017).   ANVISA e procurar IMEDIATAMENTE os laboratórios que
       espécie ter sido detectada pela primeira vez no canal   3) Causou surtos em ambientes de saúde. Por esse   fazem parte da REDE, a menor suspeita de C. auris.
       auditivo  externo de  um  paciente internado em um   motivo, é importante identificar rapidamente o C. auris   Bibliografia - As referências bibliográficas serão enviadas, quando solicitadas
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