Page 16 - Jornal Labor News Digital

Opinião

Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum
Professor Titular pela UNESP
Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia,
Acadêmico da ARLC
a.c.t@terra.com.br

Por que a COVID 19 mata mais homens que mulheres?

Apesar de significativos progressos científicos imediato a suposição de que alterações qualitativas com a falência deste importante órgão se o doente
impulsionados pela pandemia causada pela ou quantitativas dessa proteína atingiria mais tiver níveis baixos de alfa1-antitripsina. Quando a
Covid 19, algumas perguntas são peculiares. Por os homens. A alfa1-antitripsina é produzida pessoa afetada pela Covid 19 têm níveis normais
exemplo, por que a Covid 19 mata mais homens pelos hepatócitos do fígado, por neutrófilos e de alfa1-antitripsina é muito provável que não
que mulheres? macrófagos, células do intestino e dos alvéolos ocorra este tipo de fibrose pulmonar, pois esta
Em publicação feita pela revista britânica Nature do pulmão, e até por células da córnea. Sua proteína bloqueia a ação excessiva da elastase dos
Communications de 20 de dezembro de 2020, um produção diária em nosso corpo é intensa, pois sob neutrófilos. No entanto, pessoas com deficiência
grupo de pesquisadores analisou os resultados condições normais são sintetizadas 34 mg de alfa- heterozigota de alfa1-antitripsina, que representa
clínicos de 3,1 milhões de pessoas de 85 países de 1-antitripsina por quilo da massa corporal, o que 4% entre os descendentes de europeus, podem não
todos os cinco continentes, que foram infectadas resulta numa quantidade plasmática de 0,9 a 2,23 ter quantidade suficiente desta proteína para evitar
pelo vírus da Covid 19, e concluiu: mg/ml. Seu local de ação é o tecido conjuntivo de o fibrosamento, o que faz supor que contribuem
1) o grau desta infecção foi similar entre homens nossos órgãos e sistemas, protegendo-os contra para o aumento de morbidades e mortalidades
e mulheres, independente de idade; toxicidades virais e bacterianas através de ações de pessoas adultas aparentemente saudáveis. Por
2) a taxa de internação em UTI (morbidade) anti-inflamatórias e anticoagulantes. Atua também outro lado, homens que tem níveis normais de
de pessoas com sintomas de Covid 19 foi 2,84 contra a expansão da morte de células do tecido alfa-1-antitripsina, começam a diminuir a síntese
vezes maior em homens adultos que em mulheres conjuntivo causada por liberação de enzimas desta proteína a partir dos 45-50 anos de idade,
adultas; elastases produzidas por neutrófilos durante os enquanto que as mulheres mantém o nível normal
3) a taxa de mortalidade de Covid 19 entre processos inflamatórios agudos. A elastase dos de alfa1-antitripsina até o final de suas vidas. Supõe-
homens adultos foi 1,39 vezes maior que em neutrófilos é uma enzima que em concentrações se assim, que morbidades e mortalidades maiores
mulheres adultas, e esta taxa aumentou ainda mais adequadas é útil aos tecidos infectados, pois digere em homens que em mulheres com idades acima
a partir dos 60 anos de idade. células danificadas e promove a cicatrização do de 45 anos podem também estar relacionadas
O que poderia explicar estas diferenças? tecido afetado. No entanto, na Covid 19, quando com a diminuição desta proteína no sangue, que
Recentemente a revista Lancet Respiratory o pulmão é infectado pelo vírus ele sofre o “fogo se acentua gradualmente com a idade. Diante
Medicine (21 de janeiro de 2021) publicou estudos amigo”, ou seja há intenso fluxo de milhões de dessas evidências embasadas cientificamente seria
que relacionam a deficiência de alfa1-antitripsina (ou neutrófilos para este órgão com a finalidade sugestivo que a dosagem de alfa1-antitripsina fosse
A1AT) com aumento de morbidade e mortalidade de protege-lo. Mas, ao invés de protege-lo, os incluída em avaliações clínicas de pessoas adultas,
pela Covid 19. Esta proteína é sintetizada por gene neutrófilos os enchem de elastase, desencadeando homens e mulheres, especialmente para aquelas
do mesmo nome localizado no cromossomo 14, de forma descontrolada múltiplas cicatrizações com sintomas respiratórios causados por infecção
portanto não está ligada ao sexo, afastando de que podem se transformar em fibrose pulmonar de Covid 19.

Dr. Yussif Ali Mere Jr
Presidente da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e
Laboratórios de Ribeirão Preto e Região (FEHOESP e SindRibeirão)
presidencia@fehoesp.org.br

O papel da sociedade civil no debate da saúde

Qual é o verdadeiro papel da sociedade civil no O Monitor das Doações COVID 19, da Associação há disponibilidade da sociedade civil e falta vontade
debate mundial sobre a saúde? O assunto veio à tona Brasileira de Captadores de Recursos, aponta a política. E exemplos práticos mostram quanto a prática
na 74ª Sessão da Assembleia Mundial da Saúde deste marca de mais de R$ 7 bi já doados no país vindos de governança compartilhada pode contribuir com os
ano, aberta em 24 de maio em videoconferência de mais de 700 mil doadores. E isso só mostra as enormes desafios estratégicos para a formulação de
a partir de Genebra, e encerrada em 1º de junho, doações físicas. Temos ainda de contabilizar a uma política de saúde pública que faça a diferença – é
reunindo representantes e delegados de 194 Estados logística, quantos cérebros atuaram na criação e o caso de hospitais, campanhas educativas, projetos
Membros. execução de campanhas educativas, de mobilização em inúmeras áreas que ganharam relevância pela
Em inúmeros assuntos, nos cenários social, de relacionamento com outros representantes união da expertise da iniciativa privada na sua área e
econômico, político etc., a sociedade civil tem feito sociais, pesquisa, levantamento de dados, governo na dele.
diferença significativa, não apenas no debate, na planejamento etc. Toda essa inteligência não é Enquanto não se voltam olhos para a necessidade
construção de políticas e estratégias para solução ou mensurada – nem há como. Mas mostra quão urgente de rediscutir modelos incluindo a sociedade
minimização de problemas, na busca de consensos relevante é o papel dos atores não estatais no Brasil civil na mesa de decisões, o Brasil conta com um dos
e enfrentamento de desigualdades, mas também no e no mundo. maiores sistemas de saúde pública do mundo tendo,
empenho de esforços e recursos físicos e humanos Ainda assim, as organizações da sociedade civil porém, com o cidadão brasileiro arcando com mais da
para viabilizar as ações. levantaram voz na Assembleia Mundial da Saúde metade de todo o gasto com a saúde no país, segundo
A consultoria Vital Strategies, com atuação global deste ano sedentas por maior participação nas a Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do
na área de saúde pública, diz que a sociedade civil discussões do mais importante fórum de decisões Estado de São Paulo (Fehoesp). Na própria América
“desempenha um papel único no delineamento e sobre saúde. Mas nem sempre é consultada. É como Latina, esse percentual é menor. Na mesa estão
cumprimento das metas de saúde, responsabilizando precisar pedir para ajudar, sendo que deveria ser mais discrepâncias como uma população ainda padecendo
os governos, fornecendo conhecimentos técnicos e acionada no debate de um tema que – não é de hoje de doenças controladas em vários lugares do planeta,
representando diversas comunidades”. e nem surgiu com o advento da pandemia – é caro ao recursos financeiros mal utilizados, escassez de todo
As organizações internacionais representativas da Brasil há muito tempo. tipo e uma força também subutilizada da sociedade
sociedade civil e mesmo as organizações brasileiras, Estudo divulgado pelo Observatório do 3º civil que poderia já estar fazendo a diferença
nos vários problemas que nosso país tem em pauta, Setor mostra que na própria cidade de São Paulo neste cenário. Afinal, uma população desatendida
vêm demonstrado conhecimento técnico, agilidade a mortalidade infantil é de 1,07 criança a cada mil em educação e saúde não desenvolve um país. A
frente à burocracia estatal, capacidade de mobilização nascidas vivas em Perdizes, e de 24,59 crianças a preocupação com o desenvolvimento de um projeto
de pares e recursos. Não há grandes campanhas cada mil no bairro pobre de Marsilac. A diferença de saúde de qualidade deveria ser mais importante
legítimas no Brasil e no mundo em que a sociedade de 23 vezes de um bairro para outro é inaceitável do que as formas de fazê-lo, desde que sejam
civil não esteja presente. considerando que há recursos no país, há estrutura, amplamente debatidas – com a sociedade civil à mesa.
16
16