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Opinião


                     Dr. Yussif Ali Mere Jr
                     Presidente da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e
                     Laboratórios de Ribeirão Preto e Região (FEHOESP e SindRibeirão)
                     presidencia@fehoesp.org.br
                           País precisa de parcerias entre público e privado

         Em  outubro  do  ano  passado,  o  governo  federal   daquele  ano,  em  comparação  com  dezembro  de   inteligente  e  inclusivo.  O  problema  é  realmente  a
       assinou  o  Decreto  10.530,  que  abria  caminhos  para   2017, apesar  da  crise  econômica que  o país vivia.  E,   concepção e gerenciamento da saúde no Brasil, ou
       possível privatização das Unidades Básicas de Saúde   mesmo  com  os  baixos  investimentos  públicos  (3,8%   a falta de vontade política porque temos exemplos
       (UBS). Mas a discussão sobre modelos de atendimento   PIB), o setor privado vinha investindo. Na apuração   saudáveis  de  parceria  público-privada  em  saúde
       à saúde no Brasil, que não sejam somente o público   do  número  de  leitos  não  SUS  no  país  (englobando   no país – caso do atendimento aos pacientes com
       de um lado e o privado/suplementar de outro, nunca   leitos  privados  e  filantrópicos),  houve  a  abertura   doença  renal  crônica.  Trata-se  de  um  universo  de
       entrou em pauta como deveria. Enquanto isso, o SUS   de  4.472  novos  leitos,  com  crescimento  de  2,8%  no   cerca  de  100  mil  pessoas  que  passam  por  diálise
       vai inchando com novos usuários migrando dos planos   período de 9 meses, enquanto no setor público houve   no  país,  o  que  não  é  desprezível,  ainda  mais
       de  saúde  para  a  rede  pública  sem  contrapartidas   o fechamento de 1.741 leitos SUS – redução de 0,5% no   considerando  que  são  usuários  frequentes  nos
       do  governo  em  investimentos,  ao  passo  que  a   número total de leitos, segundo o Cadastro Nacional   serviços.  O  governo  entra  com  o  credenciamento
       iniciativa  privada  segue  investindo  em  mão  de  obra   de Estabelecimentos de Saúde (CNES).  dos  serviços  de  diálise  e  o  que  decorre  disso  –
       especializada, tecnologia, inovação e aprimoramento   O  estudo  “O  Setor  de  Saúde  na  Perspectiva   contratação  de  leitos,  pagamento,  supervisão/
       do atendimento.                            Macroeconômica”  –  Período  2010/2015",  assinado   fiscalização; ou seja, toda a regulação (quantidade
         Os  investimentos  do  setor  privado  na  saúde   pelo  Instituto  de  Estudos  de  Saúde  Suplementar   e  qualidade).  E  a  iniciativa  privada  entra  com  a
       cresceram  nos  últimos  anos  para  suprir  uma   com  base  nos  números  da  Conta-Satélite  de  Saúde   seleção das equipes, investimentos em tecnologia,
       deficiência crônica da área pública. Junto aos baixos   Brasil,  publicado  pelo  IBGE,  mostrou  que  o  setor   estruturas e atendimento.
       investimentos do governo, a falta de integração entre   privado de saúde foi responsável por quase 60% dos   Antes  de  discutir  privatização  de  UBS,  o  SUS
       os dois setores, que funcionam como dois segmentos   investimentos no país (R$ 314,6 bi do total de R$ 546,1   precisa  de  modernização,  porque  a  concepção  do
       independentes,  causa  desperdício  e duplicidade  de   bi investidos no segmento).    sistema  é  modelo  para  outros  países  e  a  iniciativa
       ações em saúde.                               Considerando o caráter de atendimento universal   privada brasileira na área da saúde tem fôlego para
         Um  sistema integrado, com  parcerias entre   do  SUS  e  o  número  expressivamente  maior  de   investimentos  e  disponibilidade  para  parcerias.
       público  e  privado,  permitiria  a  oferta  de  serviços  e   usuários do sistema, em relação aos usuários da saúde   É  preciso  valorizar  as  experiências  positivas  do
       atendimento  mais  estruturados,  devido  à  expertise   suplementar, os números são preocupantes. Em 2019,   Sistema  Único,  como  os  programas  de  vacinação,
       do privado em gestão e capacidade de investimento,   menos  de  30%  da  população  do  país  (59,7  milhões   o  atendimento  à  AIDS/HIV,  os  transplantes  e
       por um lado, e melhor gerenciamento e fiscalização   de  pessoas)  tinham  plano  de  saúde,  médico  ou   atendimento de hemodiálise, e incrementar as áreas
       do atendimento público por parte do governo.  odontológico, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde   sobrecarregadas e sucateadas.
         Em 2018, levantamento realizado pela FEHOESP-  (PNS). A situação, obviamente, piora nas classes com   Esse debate, que já vem tarde, não pode esperar
       Federação  dos  Hospitais,  Clínicas  e  Laboratórios  do   menor  rendimento:  apenas  2,2%  das  pessoas  com   depois  da  experiência  que  estamos  vivendo,  a  mais
       Estado de São Paulo mostrou que o setor saúde tinha   renda  de  até  ¼  de  Salário  Mínimo  tinham  plano  de   dolorosa dos últimos tempos, e dos inúmeros sinais de
       crescido em número de estabelecimentos de saúde,   saúde.                              alerta que a história recente no atendimento público
       leitos e empregos, no período de janeiro a setembro   Mas o problema não é o próprio SUS, um sistema   de saúde vem mostrando.

                     Dra. Angela Satie Nishikaku
                     Biomédica formada pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP-Botucatu). Mestre e doutora em Ciências na área
                     de Imunologia, pelo Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo (USP).
                     Realizou o pós-doutorado no Laboratório Especial de Micologia, pela Disciplina de Infectologia, Departamento de Medicina, Universidade
                     Federal de São Paulo (UNIFESP).
                     Atualmente pertence ao corpo técnico do Centro de Diagnóstico e Pesquisa em  Biologia Molecular Dr Ivo Ricci
                      info@biomolricci.com

       Candidíase vulvovaginal recorrente: impacto na qualidade de vida das mulheres

          Infecções  do  trato  genital  feminino  por   ou seja, está associada a diferentes fatores de risco   e resistência ao tratamento antifúngico.
       espécies  de  Candida  representam a  segunda  causa   relacionados  ao  hospedeiro,  tais  como:  uso  de   Embora  Candida albicans seja a principal  espécie
       mais  importante  de  vulvovaginite,  sendo  a  forma   antibióticos, terapia de reposição hormonal, diabetes,   relatada  em  casos  de  CVVR,  nota-se  um  aumento
       recorrente  uma  queixa  frequente  em  consultórios   gravidez, medicamentos imunossupressores, infecção   de  casos  de  infecção  por  espécies  não  C. albicans,
       de  ginecologia.  Estima-se  que  em  torno  de  75%  das   pelo HIV, uso de contraceptivos orais, dieta rica em   principalmente  C.  glabrata,  C. tropicalis, C. krusei, C.
       mulheres  desenvolvam  a  candidíase  pelo  menos   carboidratos,  hábitos  de  higiene  e  vestuário,  bem   parapsilosis,  assim  como  de espécies  emergentes
       uma  vez  durante  a  vida.  A  candidíase  vulvovaginal   como fatores genéticos associados ao polimorfismo   pertencentes  aos  complexos  C. glabrata  (incluindo
       recorrente  (CVVR)  é  definida  pela  ocorrência  de   de  genes  que  codificam  componentes  importantes   C. nivariensis  e  C. bracarensis),  C.  parapsilosis  (com
       quatro ou mais episódio de infecção vulvovaginal no   da imunidade. Outros  fatores  complicadores,  que   C. metapsilosis e  C. orthopsilosis),  C. albicans  (C.
       período  de  12  meses,  afetando  5-10%  das  mulheres   dificultam  o  tratamento  correto  dessas  pacientes   albicans, C. africana e C. dubliniensis) e do complexo C.
       em  idade  reprodutiva.  De  acordo  com  uma  revisão   incluem  a  automedicação,  com  mais  de  70%  dos   haemulonii (como C. duobushaemulonii). Estes fungos
       sistemática  global  publicada  por  Denning  et  al.   casos  diagnosticados  apenas  por  evidência  clínica,   são  identificados  de  forma  confiável  apenas  por
       (2018)  e  apoiada  pela  Global Action Fund for Fungal   resultando em diagnósticos incorretos e tratamentos   métodos  alternativos  como  as  técnicas  de  biologia
       Infections  (GAFFI,  https://www.gaffi.org/),  estima-  inadequados ou desnecessários. Isso contribui para o   molecular,  baseadas  principalmente  na  reação  em
       se  que  aproximadamente  138  milhões  de  mulheres   aumento dos custos pessoais e familiares da paciente   cadeia  da  polimerase  (PCR)  e  no  sequenciamento
       sejam afetadas pela CVVR anualmente e mais de 370   e também para a saúde pública.     de DNA. Maior resistência ao antifúngico fluconazol
       milhões de mulheres manifestem a doença ao longo   O  manejo  adequado  das  pacientes  com  CVV  e   tem sido observada em isolados de C. glabrata e do
       da  vida.  Somente  no  Brasil,  a  incidência  é  estimada   CVVR, bem como o monitoramento dessas pacientes   complexo C. haemulonii, o que ressalta a importância
       em  mais  de  4  mil  casos  de  infecção  recorrente  em   em  estudos  clínicos  e  epidemiológicos  dependem   da  identificação  em  nível  de  espécie.  O  diagnóstico
       100.000  mulheres.  Em  outro  estudo  realizado  por   da  realização  do  diagnóstico  laboratorial  precoce  e   molecular  aumenta  a sensibilidade e, sobretudo,
       Giacomazzi et al. (2016) em associação a LIFE project   preciso. Portanto, testes laboratoriais para a detecção   a  especificidade  para  a  identificação  do  fungo  em
       (Leading  International Fungal  Education;  http://www.  e identificação específica do fungo são fundamentais   isolados  de cultura ou  diretamente da  amostra  de
       life-worldwide.org/fungal-diseases/),   avaliou-se   a   para  o  diagnóstico  conclusivo,  diferenciando  de   swab  vaginal,  possibilitando  não  apenas  a  detecção
       carga de doenças fúngicas no Brasil, demonstrando a   outras  condições  clínicas  que  apresentam  sintomas   do  agente  etiológico  de  CVVR,  mas  também  a
       ocorrência de cerca de 2,8 milhões de novos casos de   semelhantes, como vaginite descamativa, dermatose   genotipagem  de isolados  de  Candida  spp.,  para  fins
       infecções  por  Candida spp.  anualmente,  sendo  mais   vulvar, vaginite por bactérias aeróbias, tricomoníase   de monitoramento epidemiológico e investigação da
       de 95% dos casos atribuídos apenas à CVVR.  e vaginite citolítica. A microscopia é útil para a rápida   ocorrência de cepas resistentes aos antifúngicos.
          Os  sinais  e  sintomas  clínicos  observados  na   confirmação da presença de fungos, mas tem baixa   Por  fim,  podemos  concluir  que  o  diagnóstico
       vulvovaginite  por  Candida spp.  incluem  prurido   sensibilidade.  O  simples  achado  de  cultura  positiva,   definitivo  de  CVVR  depende  da  análise  conjunta
       (coceira),  dispareunia,  corrimento  vaginal  branco   sem  outros  achados  clínicos  e  laboratoriais  não   de  exames  clínicos,  do  histórico  da  paciente,  com
       e  grumoso,  eritema  vulvar  e  vaginal,  que  apesar   define o diagnóstico de candidíase vulvovaginal, pois   informações sobre os fatores de risco para a CVV e a
       de  frequentes,  são  inespecíficos.  A  frequência  de   a  colonização  da  vagina  por  diferentes  espécies  de   realização de exames laboratoriais para a identificação
       episódios  sintomáticos  em  casos  de  CVV  recorrente   Candida é observada em 10-15% das mulheres. Fatores   em  nível  de  espécie,  permitindo  o  tratamento
       tem impacto negativo na qualidade de vida da mulher,   do  patógeno,  tais  como  a  presença  de  atributos   antimicrobiano  adequado,  além  da  redução  dos
       podendo  afetar,  em  alguns  casos,  a  saúde  mental,   de  virulência  de  Candida  spp.,  incluem  a  produção   custos associados à terapia, com impacto na melhor
       com aumento de sintomas de depressão, ansiedade,   de  enzimas  proteolíticas  do  fungo  e  a  formação  de   qualidade de vida da mulher.
       desconforto físico, estresse e perda de produtividade   biofilme na mucosa vaginal, que pode ser responsável   Bibliografia.  As  referências  bibliográficas  serão
       no  trabalho.  A  CVVR  é  uma  doença  multifatorial,   em parte pelos episódios de recorrência da candidíase   enviadas, quando solicitadas.
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