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Entrevista
                 “Quem sobrevive não é o mais forte e nem o mais


                          inteligente, mas o que melhor adapta-se”


          Chefe do Laboratório  de Vírus Respiratórios
       e  do Sarampo  do Instituto  Oswaldo  Cruz (IOC/
       Fiocruz),  Marilda  Siqueira é virologista  e atua
       principalmente  com vírus respiratórios,  como
       Sarampo, Rubéola, Influenza, Coronavírus e Vírus
       Sincicial Respiratório. Membro de vários Comitês
       e Grupos de Trabalho  do Ministério  da Saúde  e
       da Organização Mundial  da Saúde (OMS),  ela
       explica ao LaborNews a atuação fundamental do
       laboratório  desde  antes  do início  da  pandemia
       de SARS-CoV-2, colaborando  com os países  das
       Américas, na troca de conhecimento e tecnologias.
       A  especialista  aborda  o  avanço  dos estudos                                                                                  Foto: arquivo do Instituto Osvaldo Cruz
       genômicos do vírus no país e explica os motivos da
       queda da cobertura vacinal da população, o que
       contribui para o ressurgimento de doenças como
       o Sarampo. A virologista diz ainda que espera do
       comportamento brasileiro em relação às doenças
       respiratórias  daqui  pra  frente  e para  isso utiliza
       a famosa frase do naturalista e biólogo britânico
       Charles Darwin: “Quem  sobrevive não é o mais
       forte e nem o mais inteligente, mas o que melhor
       adapta-se”                                      Marilda Siqueira é virologista, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo
          César Hernandes                                                  do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Ficoruz)

          LaborNews – Como é o trabalho do Laboratório   já  estava  produzindo  kits  para  o  diagnóstico  de   achar que estamos livres do vírus. Eu até gostaria
       de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto   SARS-CoV-2  e, coordenados  pelo Ministério  da   imensamente de dizer que estamos, mas não é a
       Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)?                Saúde,  participamos  e  treinamos  os  27  LACEN's   realidade.
          Dra Marilda –  O nosso  laboratório  trabalha   Laboratórios  Centrais  de  Saúde  Pública  -  existe
       há  décadas com o Ministério  da Saúde e com  a   um em cada estado brasileiro. Essas atividades são   LaborNews  –  Ainda   existem   países,
       OMS [Organização Mundial de Saúde] pois somos   feitas com frequência, e faz parte do trabalho de   principalmente os mais pobres, como no continente
       referência em Influenza (vírus da Gripe), Sarampo,   um laboratório de referência.     africano, que tem um índice de cobertura vacinal
       Rubéola  e agora também  em SARS-CoV-2.                                                muito  baixo,  com  força  para  o  surgimento  de
       Desenvolvemos há muito tempo estudos e planos   LaborNews – Mas a partir do SARS-CoV-2 esse   outras  variantes  do SARS-CoV-2? Como  resolver
       de trabalho,  estratégias,  cooperando  com  essas   ritmo aumentou...                 isso?
       instituições no sentido de melhorar a qualidade da   Dra  Marilda  –  Nosso  dia  a  dia  mudou   Dra. Marilda –  Sim, nós temos um cenário
       saúde pública no nosso país. Como somos referência   drasticamente.  Trabalhamos  todos os  dias  nos   que ainda precisa ser muito bem monitorado,
       para estas doenças na América do Sul, trabalhamos   primeiros meses até altas horas, inclusive nos finais   e preocupa. O aparecimento de variantes para
       também com à OPAS [Organização Pan-Americana   de semana, e continuamos trabalhando muito. Nós   este  vírus  está  muito  relacionado  ao  número
       da Saúde] em estratégias  para o enfrentamento   já vínhamos desenvolvendo atividades de estudos   de  cepas  circulantes  na  população,  ou  seja,
       de  pandemias,  como  o  da  Influenza  H1-N1,  de   genômicos  dos  vírus  Influenza  e  do  Sarampo   quanto  mais  ele  circula  existem  mais  chances
       2009. Dentro deste trabalho, temos como objetivo   há  décadas e, com  o SARS-CoV-2, propomos   de  novas  variantes.  Há  uma  questão  bastante
       fornecer dados e informações sobre a variabilidade   junto  à  Vice-Presidência  de  Pesquisa  da  Fiocruz   complexa  atualmente  que  é  o  desequilíbrio
       genômica  destes  vírus,  treinar  profissionais  do   a  organização  de uma  rede  de sequenciamento   da distribuição de vacinas. O  modus operandi
       sistema de saúde pública nacional e das Américas.   genômico para responder às questões de possíveis   do  nosso  mundo  precisa  ser  repensado,  pois
       Também colaboramos com Bio-Manguinhos, que é   variantes do vírus para atender  o Ministério  da   vivemos  numa  grande  aldeia  global.  Hoje,  nos
       a unidade produtora de vacinas e imunobiológicos   Saúde,  uma  vez  que  isso  pode  influenciar  na   afeta o que acontece em outras regiões do
       e de kits de diagnóstico da Fiocruz e do Ministério   composição  de vacinas,  no  sistema  vacinal  e  em   mundo, pois quem está no cerne do problema
       da Saúde, no  desenvolvimento  de kits para   kits testes de diagnóstico. Além de participar com   é um vírus de transmissão respiratório que
       detecção de vírus e, naturalmente, participamos de   o Ministério da Saúde e a OMS, estamos em vários   não respeita fronteiras. Caso não resolvam
       estudos sobre vários aspectos sobre as doenças e   projetos  de  pesquisas,  como  colaboradores,  ou   essa questão de equidade de vacina e fornecê-
       da efetividade das vacinas.                como autores principais, dentro da própria Fiocruz   la  independentemente  de  qualquer  situação
                                                  e com vários laboratórios de outras instituições e   econômica, social,  raça e religião, pois todos
          LaborNews –  Isso  ajudou  o  país  quando   outras universidades do Brasil.        merecem viver direitos na nossa saúde, teremos
       apareceu o SARS-CoV-2. Certo?                                                          desafios e problemas pela frente. Em março de
          Dra Marilda –  Quando  a  OMS  anunciou  o   LaborNews  –  O  último  dia  11  de  março  foi   2020, a OMS reuniu vários países produtores de
       alastramento  do novo  coronavírus, entramos  em   marcado  pelos  dois anos  do início  da pandemia   vacinas,  inclusive  os  principais  fabricantes,  e
       alerta  total.  Dentro  dessas redes  de laboratório   da  Covid-19  após  a  declaração  da  Organização   propôs que a partir do momento da existência
       coordenadas pelo Ministério da Saúde e das redes   Mundial da Saúde (OMS). O mundo já se livrou da   de uma vacina – se é que teríamos, pois existem
       de  laboratórios da OMS, começamos  a trocar   pandemia? Caso contrário, o que ainda falta?   vírus  para  os  quais  não  conseguimos  produzir
       e-mails e reuniões para fazer uma preparação. Um   Dra.  Marilda  –  Nós  não  nos  livramos  da   vacinas  –,  a  Organização  recebesse  (via  Covax
       mês após o anúncio do novo vírus em janeiro de   pandemia, o mundo não se livrou. Neste momento   Facility  Iniciative)  uma  porcentagem  em  torno
       2020,  já  estávamos  no  nosso  laboratório  dando   alguns  países  da Europa  apresentam  aumento   de 10% da produção mundial para distribuir aos
       um curso sobre a metodologia de PCR em tempo   de casos,  mas  felizmente,  não  acompanhado  de   países com dificuldades econômicas, mas isso
       real para o diagnóstico de SARS-CoV-2 para nove   hospitalizações  na  mesma  proporção,  e isso  é   não aconteceu como imaginávamos. Então,
       países  da  América  Latina.  Essa  é  uma  atividade   um  avanço  enorme.  A África  também  está  com   estamos  vendo  um  cenário  no  qual  cada  um
       que fazemos  com  frequência,  colaborando  com   muitos  casos,  a  China  tem  diversas  regiões  com   pensa em si, e essa equação não fecha.
       a  OPAS.  No  início  de  março  de  2020,  a  Fiocruz   aumento, portanto não podemos, neste momento,             Continua na página 6
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