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Entrevista


         LaborNews – A senhora concorda, então, com
       a opinião  do presidente da OMS que criticou  os
       países mais ricos?
         Dra.  Marilda  –  Lógico!  Existem  muitos  países
       africanos,  e isso  há  três meses, em que nem  os
       médicos  haviam  recebido a vacina.  Uma  das
       lições desta pandemia é que ela nos mostrou que
       as  prioridades da  qualidade de vida precisam  ser
       compartilhadas, na medida do possível, com todos.

         LaborNews –  O  Brasil  conseguiu  enfrentar
       o  vírus,  uma  vez  que  muitos  governantes  estão
       liberando o uso de máscaras no espaço público e
       privado? Ou ainda é cedo?
         Dra. Marilda –  Aqui  no  Brasil,  pela  situação
       epidemiológica,  número  de  internações  e
       hospitalizações, além da cobertura vacinal, alguns
       estados e municípios sentiram-se confortáveis para   Ministério da Saúde recebeu duas vezes comitivas   Quais  foram os avanços  em pesquisa  e na  parte
       abrir e deixar a população sem o uso de máscara   da China,  inclusive  aqui  na  Fiocruz,  porque   laboratorial para chegarmos até aqui?
       em alguns locais, mas essas situações, que é o que   eles queriam  saber  como  um  país  de dimensão   Dra. Marilda –  Chegamos ao ponto em
       todo  mundo  quer, podem  não ser permanentes.   continental,  de  tanta  complexidade,  conseguia   que estamos, com esse desenvolvimento
       Talvez em algum momento tenhamos que voltar a   vencer  tantos  desafios  para  vacinar  tanta  gente   tecnológico,  possibilita  sermos  capazes  de
       algumas iniciativas às quais não gostaríamos. Nós   em relação ao Sarampo. Nós fomos modelo para   responder rapidamente a essa pandemia com
       precisamos ter uma abertura, uma resiliência, para   o  mundo  de país  que vacina,  e com  sucesso.  A   vários avanços que necessitam de tecnologia
       que  o  avanço  não  permita  um  retrocesso.  Mas   primeira campanha de massa da Poliomielite foi em   de  ponta,  como  a  vacina  de  RNA  mensageiro,
       podemos ter. Eu gosto da frase do Charles Darwin,   1980, e eliminamos a doença em 1987. O Sarampo   como os testes rápidos. A Fiocruz padronizou
       que diz que quem sobrevive não é o mais forte e   matava  até  a  década  de  80  no  mundo,  por  ano,   um kit e colocou para ser distribuído em menos
       nem o mais inteligente, mas o que melhor adapta-  em torno  de 2,5 milhões  de crianças.  A última   de um mês, e bem no início da pandemia, e isso
       se, uma das bases da teoria da evolução. Então é   estatística,  de  2019,  estava  em  torno  de  100  mil   só  foi  possível  pelos  nossos  conhecimentos
       preciso nos adaptarmos a determinados momentos   crianças mortas pela doença por ano, o que é uma   prévios. Não saímos do zero. Nós conseguimos
       da nossa história.                         tragédia, haja vista que a primeira vacina disponível   porque  já  tínhamos  plataformas  metodológicas
                                                  data de 1963, nos Estados Unidos. Mas de qualquer   que nos permitiram isso. Por exemplo, os testes
         LaborNews – Em São Paulo, continua obrigatório   maneira saímos de um número altíssimo por ano.   rápidos, que são um avanço enorme no controle
       o uso de máscaras no transporte público e em locais   O  Brasil  vem  sendo  exemplo  de  estratégias  bem   de surtos e de conhecimento individual e do
       de saúde pública. Nos demais, livre. Isso tem lógica   utilizadas  de vacinação  e, de repente, somos   controle  de  infecção  hospitalar,  já  existem  há
       científica?                                impactados por essas questões de inverdades. Isso   décadas para outras doenças. O que aconteceu
         Dra. Marilda – Tem lógica. Uma das questões é   é um  retrocesso, mas  talvez tenha  faltado  mais   foi uma transferência de conhecimento de
       que a flexibilização ajuda muito na questão moral   investimento pelos gestores de saúde, de todos os   uma plataforma, de um vírus para outro. Isso é
       da população,  pois  essa pandemia  nos  afetou   níveis, em informação em saúde, pois essa área de   bonito na Ciência porque ela caminha agregando
       enormemente,  não  só  nas  vidas perdidas e dos   comunicação é chave para o sucesso de qualquer   informações, permitindo que o avanço tecnológico
       momentos  difíceis  com  hospitalizações,  mas com   ação.                             aconteça porque nós temos conhecimentos
       um impacto socioeconômico negativo e no sistema                                        prévios que permitem chegar até lá.
       educacional.  Como  é que a  gente  vai encontrar   LaborNews –  E  mesmo  presenciando  que a
       agora um balanço para ter um o retorno das nossas   vacinação salva tantas vidas...       LaborNews –  Isso aconteceu  para o advento
       atividades pessoais e socioeconômicas e ao mesmo   Dra. Marilda – No momento, a maior parte dos   das vacinas para SARS-CoV-2.
       tempo  diminuir  a  possibilidade  de um  aumento   óbitos no Brasil acontece em pessoas não vacinadas   Dra. Marilda –  Por  exemplo,  a  Coronovac,
       de  infecção?  Os  comitês  científicos  dos  estados   ou  com  o  esquema  de vacinação  incompleto.  Já   vacina de vírus morto, é uma tecnologia de 1960.
       e municípios  estão  debruçados nessa  equação  e   a minoria tem um ou mais fatores de risco. Caso   Já as vacinas da Poliomielite são de vírus morto
       analisando alguns critérios, como as porcentagens   nós  não tivéssemos  sido  vacinados,  a  Ômicron   (Salk) e vírus atenuado (Sabin). A do Sarampo é
       de pessoas vacinadas nas diferentes faixas etárias,   poderia repetir aquelas tristes cenas de Manaus do   vírus atenuado em uma plataforma de cultura
       nos  diferentes  grupos  (imunossuprimidos)  e  os   ano passado, e em grande escala e no país inteiro.   celular, como a Coronovac. Não são metodologias
       números de hospitalizações. A questão é que essa   Quando  observamos  o  gráfico  da  circulação  do   novas, mas de um conhecimento acumulado com
       análise de dados para decisões precisa ser tomada   vírus desde  março  de 2020, percebemos que a   o tempo. Um grande avanço foi o advento da
       em tempo  real e com  coragem.  Se começar  uma   curva  do  número  de casos  em  fevereiro é  uma   vacina de RNA Mensageiro, que nós não tínhamos
       explosão  de  casos,  vai  ter  um  retrocesso,  e  a   “parede”, no entanto, o número de hospitalizações   vacina  com  essa  plataforma,  mas  já  possuíamos
       população precisa entender e se adaptar.   não acompanhou o mesmo ritmo. Isso se deve à   a  tecnologia.  A  Universidade  de  Oxford  usou
                                                  vacina e às estratégias utilizadas, como o uso de   a tecnologia  que era da vacina do Ebola  para a
         LaborNews – O índice de vacinação nas crianças   máscaras,  etc, que funcionam  e nos  salvaram de   AstraZeneca.  Você aposta  numa transferência
       ainda é baixo. Por quê?                    um  desastre maior.  Sinceramente,  eu  espero  um   de  plataforma  e  dá  certo.  Outro  exemplo:  tem
         Dra. Marilda –  Principalmente  devido  à   dia ver o Brasil retornar a ser o país exemplo de   um  vírus,  VSR –  Vírus  Sincicial  Respiratório,  que
       disseminação de notícias falsas. Uma coisa é a gente   vacinação para o resto do mundo, não só do SARS-  é a principal  causa  de infecção  respiratória em
       ir lá e tomar a vacina, mas um filho é sempre algo   CoV-2 , mas de todas as doenças.   crianças  de  até  dois  anos  de  idade  e  desde  1969
       que impacta mais, pela responsabilidade. A grande                                      tentamos fazer uma vacina para esse vírus, e não
       disseminação de fake news impacta negativamente.   LaborNews –  Hoje  o  brasileiro  pode  realizar   conseguimos  ainda.  Então,  devemos  comemorar
       O Brasil sempre foi um exemplo de vacinação e de   o autoteste  para detectar a doença,  mostrando   esse avanço que a humanidade teve com as vacinas
       campanhas de vacinação. Na década do ano 2000, o   um  progresso no  enfrentamento  da doença.   para a Covid-19.   Continua na página 8












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