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Opinião
PROF. DR. PAULO CESAR NAOUM
Professor Titular pela UNESP
Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia,
Acadêmico da ARLC
a.c.t@terra.com.br
Identificação laboratorial das anemias
Conceitualmente o estado clínico de anemia sangramento por conta de mioma uterino. Este é um é o teste de Coombs direto – se
é definido pela diminuição da quantidade da caso típico de sangramento com perda de ferro e que resultar positivo confirma este tipo de causa de
hemoglobina no sangue conforme seus respectivos induz a ferropenia. anemia hemolítica.
padrões quantitativos para sexo e idade. A Identificação da anemia deste caso: Analiso os Caso 4: Rapaz aparentemente saudável relata
identificação de anemias obedece sequências resultados do eritrograma para anemia ferropênica fraqueza e dores nas pernas desde a infância, não
analíticas bem estabelecidas, porém para um texto (VCM e HCM diminuídos) e a morfologia eritrocitária pratica esportes e é sedentário. Os eritrogramas feitos
curto como este optei por apresentar quatro casos para avaliar a presença de micrócitos hipocrômicos. sempre se mostraram normais. Para situações iguais
que exemplificam a forma como eu procedo. Para concluir o diagnóstico laboratorial é importante a esta a suspeita mais comum é que seja portador de
Caso 1- Adulto, ou adolescente, relata fraqueza determinar o perfil de ferro: ferro sérico, capacidade talassemia mínima (alfa ou beta).
e cansaço desde a infância. Esta história clínica total de ligação do ferro, saturação de ferro e ferritina. Identificação da anemia deste caso: Analiso os
nos remete à suspeita de que a anemia possa se Caso 3: Paciente ictérico com dores no corpo, resultados do eritrograma com foco especial nos
hereditária devido à precocidade dos sintomas. fraqueza e cansaço que tem se intensificado nos últimos valores de HCM e VCM, se um ou outro, ou ambos,
Identificação da anemia neste caso: Analiso os quatro dias. Suposições: hepatopatias ou anemia estiverem diminuídos, a suspeita de talassemia
resultados do eritrograma para: a) esferocitose hemolítica. Ao descartar a hepatopatias a suspeita recai mínima se torna mais provável. Como exame
hereditária (CHCM elevado), b) talassemias em anemia hemolítica. A pergunta seguinte é: - Quando específico opto por eletroforese ou cromatografia de
(VCM e HCM diminuídos), c) pesquiso a surgiram os sintomas acompanhados da icterícia? Se hemoglobinas. Se a Hb A2 estiver elevada, trata-se
morfologia eritrocitária em busca de esferócitos foi após uma pescaria, por exemplo, é provável que a de talassemia beta mínima, porém se a Hb A2 estiver
(esferocitose), micrócitos hipocrômicos, dacriócitos anemia hemolítica tenha sido causada pela malária. normal, ou diminuída, direciono para pesquisa de
e microesquisócitos (talassemias), eritrócitos Por outro lado, se a resposta foi de que a icterícia e os Hb H através de eletroforese alcalina ou neutra. Se
“mordidos”(deficiência enzimática de G6PD) e células sintomas surgiram de forma súbita, a possibilidade a Hb H estiver presente na eletroforese, trata-se, de
falciformes (doença falciforme), entre outras. Para direciona para anemia hemolítica autoimune. fato, de talassemia alfa mínima. A talassemia mínima
concluir o diagnóstico laboratorial aplico exames Identificação da anemia deste caso: Analiso os atinge 20 a 30% da nossa população. O termo mínima
específicos conforme a minha suspeição: eletroforese resultados do eritrograma para conhecer a extensão se aplica porque em geral a hemoglobina total está
de hemoglobina para talassemias e doença falciforme, da anemia, a contagem de reticulócitos (geralmente normal, mas a pessoa reclama de cansaço, dores nas
curva de fragilidade osmótica para esferocitose, e elevada nas anemias hemolíticas). Se a suspeita pernas, etc.
dosagem de metaemoglobina e pesquisa citológica de for para a malária, a melhor análise é a pesquisa de Enfim estes são alguns exemplos de uma
corpos de Heinz para deficiência de G6PD. plasmódios intraeritrocitários. No caso de presumir série muito maior. No próximo mês o tema será
Caso 2- Anemia em mulher adulta com por anemia hemolítica autoimune, a análise indicada Identificação laboratorial das anemias microcíticas.
Dr. Wilson Shcolnik
Médico patologista clínico, presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e do
Conselho de ex-presidentes da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML),
vice-presidente do SINDHOSP, membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e
Segurança do Paciente (Sobrasp) e da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do CFM
presidencia@abramed.org.br
Exames realizados em ambiente laboratorial:
uma questão de responsabilidade e saúde pública
O setor de análises clínicas é um dos mais regulados rápidas, trazerem resultados de forma praticamente como os observados nos laboratórios clínicos, coloca
do país. No entanto, as recentes consultas públicas imediata. E, de fato, podem contribuir, sobretudo a segurança dos pacientes em risco, visto que, sem
(CPs) n° 911 e n° 912, realizadas pela Agência Nacional em catástrofes, guerras ou desastres naturais ou, definição clara de como serão feitos os controles de
de Vigilância Sanitária (Anvisa), vêm se mostrando ainda, para preencher eventuais lacunas existentes qualidade, torna-se inviável garantir a credibilidade e
como uma ameaça aos alicerces das análises clínicas no cuidado, como em regiões remotas que não utilidade desses resultados.
de qualidade, visto que cogitam liberar a realização dispõem de laboratórios clínicos, porém desde Existe literatura científica que comprova que
de Point-of-care tests (POCT) fora do ambiente que sejam integrados aos sistemas de saúde, que já a maior parte dos erros nos exames realizados
laboratorial, colocando em risco a saúde da população. sofrem com a fragmentação da assistência. Afinal, remotamente ocorre durante a fase analítica, ou
Apesar de ganharem ainda mais notoriedade apesar de rápidos, esses testes não deixam de ser seja, por falhas de operadores na calibração dos
durante a pandemia de COVID-19 como forma exames laboratoriais. Hoje temos POCT inclusive para equipamentos e na avaliação dos controles de
de suprir a carência por exames relacionados ao biologia molecular, metodologia de alta complexidade qualidade que asseguram a precisão e exatidão dos
novo coronavírus, os POCT, também conhecidos utilizada em laboratórios clínicos. resultados. Por isso, o setor questiona: como garantir
como Testes Laboratoriais Remotos (TLR), são uma Um dos pontos mais importantes e que precisa ser que esses exames sejam feitos de forma segura sem
realidade há décadas no setor de diagnóstico, e os questionado está na definição de quais tipos de testes o acompanhamento de profissionais que dedicaram
profissionais que atuam em laboratórios clínicos os órgãos reguladores permitirão ser realizados suas vidas à essa especialização e em locais sem a
conhecem tanto suas virtudes quanto seus problemas. fora do ambiente laboratorial? Será que resultados infraestrutura complexa dos laboratórios clínicos?
Esses testes, que podem ser realizados por críticos, que exigem intervenção médica imediata, Não podemos deixar que a qualidade do
dispositivos portáteis, já eram inclusive mencionados podem ser obtidos desta forma? Será que a população diagnóstico e do gerenciamento de doenças se perca.
na RDC 302, publicada em 2005 pela Anvisa, que estará segura para receber resultados de exames com Questionamentos sobre a necessidade de dar acesso
regula o funcionamento dos laboratórios clínicos tal complexidade? a exames laboratoriais são muito importantes, mas
impondo rígidas recomendações sanitárias e, A própria CP 912 traz, entre seus documentos, desde que não representem riscos ao paciente.
consequentemente, conferindo segurança aos dados obtidos em estudos internacionais que Regulamentar os serviços de análises
pacientes. Essa resolução representou um marco e mostram que outros países impõem limitações à clínicas cabe à Anvisa, garantindo que tanto as
promoveu melhoria significativa na qualidade dos realização de POCT fora dos laboratórios. A Inglaterra recomendações das sociedades científicas que atuam
laboratórios no Brasil, mas necessita de revisão, algo permite a realização apenas de glicemia, colesterol, nesse setor quanto as normas internacionais sejam
que o setor vem pleiteando há tempos. gripe e hepatites A e B nas farmácias. Na Escócia, seguidas independentemente do local onde o exame
Mas, diante das novas consultas públicas, o que esses estabelecimentos podem realizar apenas testes é realizado. Os ambientes e equipamentos devem
se viu acontecer foi a substituição da RDC 302 por de gravidez e de HIV. Já a França autoriza a realização ser adequados, e os profissionais tecnicamente
um novo texto. A proposta da CP 912 cogita, sem desses testes fora dos laboratórios para glicemia, qualificados e habilitados para garantir a qualidade
limites, a liberação da realização de exames fora dos influenza e estreptococos do grupo A. do atendimento e segurança do paciente, como já
ambientes altamente controlados dos laboratórios Importante ressaltar que cerca de 70% das previsto pela RDC 302.
clínicos, adota terminologias incompatíveis com a decisões médicas se baseiam em resultados de Acreditamos que é possível que a Anvisa, com
realidade internacional, desconstrói os laboratórios exames laboratoriais e a confiabilidade deles é a contribuição das instituições do setor, possa
brasileiros e desrespeita os profissionais do setor, fundamental para garantir diagnósticos precoces, apresentar à sociedade uma revisão da RDC 302, que
e por essa razão vem sendo criticada por médicos precisos e decisões corretas sobre definição e inclua as atualizações necessárias para minimizar
patologistas clínicos, farmacêuticos e biomédicos. monitoramento de tratamentos. Liberar a realização os riscos e proteger os pacientes, os maiores
Os POCT são úteis por proporcionarem reações de exames fora de ambientes altamente controlados, interessados nesse processo.
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