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Opinião


                     Dra. Angela Satie Nishikaku
                     Biomédica formada pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP-Botucatu). Mestre e doutora em Ciências na área
                     de Imunologia, pelo Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo (USP).
                     Realizou o pós-doutorado no Laboratório Especial de Micologia, pela Disciplina de Infectologia, Departamento de Medicina, Universidade
                     Federal de São Paulo (UNIFESP).
                     Atualmente pertence ao corpo técnico do Centro de Diagnóstico e Pesquisa em  Biologia Molecular Dr Ivo Ricci
                      info@biomolricci.com
                         Leishmaniose: doença tropical negligenciada e

                        um contínuo desafio para a saúde pública global

          Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),   até 6% dos casos. A LC é a manifestação clínica mais   imunológicos são baseados na detecção de antígenos
       as doenças tropicais  negligenciadas representam   frequente, com lesões cutâneas nodulares, ulceradas   ou anticorpos no soro ou urina dos pacientes,
       um grave problema de saúde pública global, que   ou pleomórficas, com aspecto acneiforme e papular.   contudo, podem apresentar reatividade cruzada com
       ameaçam a vida de milhões de pessoas. Ocorrem   A LMC apresenta lesões cutâneas com destruição de   outras infecções e baixa  sensibilidade em indivíduos
       predominantemente em países em desenvolvimento,   membranas  mucosas oronasofaríngeas, causando   imunossuprimidos, como aqueles coinfectados com o
       com  menores  condições  socioeconômicas,  cujas   deformações graves (http://www.who.int/news-room/  HIV.
       estratégias  para  o  diagnóstico,  tratamento,  controle   factsheets/detail/leishmaniasis).  Indivíduos com LC   Neste  contexto,  a  utilização  do  diagnóstico
       e eliminação da doença ainda são limitadas  para o   ou LV podem não manifestar sinais clínicos evidentes   molecular  com  base  na  amplificação  do  DNA  do
       seu combate efetivo. Neste cenário, a Leishmaniose   ou  a  doença pode  permanecer na  forma subclínica,   parasita, a partir de alvos gênicos adequados, permite
       representa  uma das doenças negligenciadas de   dificultando  o  seu  controle.  Se  não  diagnosticada  e   a discriminação e tipagem de espécies de Leishmania,
       grande relevância no Brasil, cujos dados de notificação   tratada corretamente, a infecção por Leishmania spp.   com a possibilidade de aplicação direta das amostras
       compulsória  trazem  um  alerta  contínuo  e  alarmante   pode  evoluir  de  lesões  desfigurantes  para  quadros   clínicas, sem a necessidade de cultura do parasita e
       sobre  o número elevado  de casos da doença  no   incapacitantes, com impactos psicossociais negativos   reduzindo assim o tempo para o diagnóstico. Métodos
       país (https://www.who.int/mediacentre/infographic/  e  estigmatização, afetando a  qualidade  de  vida  dos   como PCR, sequenciamento do DNA, PCR em tempo
       neglected-tropical-diseases/en/).          indivíduos acometidos e, até ao óbito.      real  e  PCR-RFLP  (polimorfismo  de  comprimento  de
          A Leishmaniose é uma doença infecciosa, não   A  diversidade  de  manifestações  clínicas,  de   fragmentos  de  restrição)  permitem  o  diagnóstico
       contagiosa, causada pelo protozoário cinetoplastida   espécies patogênicas, muitas  delas pertencentes a   precoce e preciso, com maior sensibilidade e
       do  gênero  Leishmania.  A  doença é transmitida ao   complexos,  de  atributos  de  virulência  do  patógeno,   especificidade  que  os  métodos  convencionais.
       homem por meio da picada de fêmeas do mosquito   além do padrão variável de patogenicidade observado   Métodos baseados na análise por PCR podem ser úteis
       flebotomíneo  infectado  pelo  agente.  Pelo  menos  20   entre  as espécies de  Leishmania, tornam  a acurácia   para a identificação correta do agente etiológico de LC
       espécies de Leishmania são consideradas patogênicas   no  diagnóstico  essencial  para  a  identificação  correta   no Brasil, pois pelo menos sete espécies de Leishmania
       ao homem e algumas delas de relevância na medicina   do agente etiológico. O diagnóstico de Leishmaniose   podem causar a doença. Portanto, estas abordagens
       veterinária.                               é  realizado frequentemente pela  avaliação das   moleculares representam  importantes aliados dos
          Esta doença é endêmica em regiões tropicais e   manifestações clínicas  da  doença, em  conjunto  com   métodos  diagnósticos  clássicos  para  o  sucesso  na
       subtropicais, em mais de 98 países no mundo, com mais   um  ou  mais  exames  laboratoriais.  O  diagnóstico   conduta terapêutica e cura do paciente, ao mesmo
       de 1,3 milhões de novos casos relatados anualmente e   diferencial é fundamental devido à semelhança  nos   tempo, que, contribui para estudos  de vigilância
       um número estimado de 350 milhões de pessoas em   aspectos clínicos da LC com outras enfermidades,   epidemiológica e programas de controle e prevenção
       risco de infecção. Nas Américas, a Leishmaniose está   tais como hanseníase,  tuberculose, micobacterioses   da doença.
       presente  em  19  países,  sendo  o  Brasil  responsável   atípicas,   sífilis,   histoplasmose,   esporotricose,
       pelo  maior  número  de  casos  reportados  (96%).   paracoccidioidomicose e câncer de pele; e da LV com   Referências
       Embora seja observada uma estabilidade no padrão de   doenças que incluem a histoplasmose disseminada,   Akhoundi M, Downing T, Votýpka J, Kuhls K, Lukeš J, Cannet A,
       transmissibilidade da doença em países como Colômbia   esquistossomose hepatoesplênica, malária, lúpus   Ravel  C,  Marty  P,  Delaunay  P,  Kasbari  M,  Granouillac  B,  Gradoni  L,
                                                                                              Sereno D. Leishmania infections: Molecular targets and diagnosis. Mol
       e  Venezuela,  houve  uma  expansão  com  novos   eritematoso sistêmico, entre outras.  Aspects Med. 2017;57:1-29.
       territórios afetados no Brasil, Argentina e Paraguai. A   Os métodos convencionais  incluem o exame   Bern C,  Maguire JH, Alvar J. Complexities of assessing the
       Leishmaniose, entre as doenças infecciosas tropicais,   microscópico  com  detecção  do  parasito  nos   disease burden attributable to leishmaniasis.  PLoS  Negl Trop Dis.
                                                                                              2008;2(10):e313.
       representa a 2ª causa mais comum de mortalidade e a   tecidos infectados, isolamento  em cultivo e testes   Brasil.  Ministério  da  Saúde.  Secretaria  de  Vigilância  em  Saúde.
       4ª causa mais frequente de morbidade.      imunológicos. O exame microscópico é realizado pela   Coordenação-Geral  de Desenvolvimento  da Epidemiologia em
          A doença  apresenta  três diferentes formas   visualização das formas amastigotas de  Leishmania   Serviços.  Guia  de  Vigilância  em  Saúde:  volume  único  [recurso
       clínicas:  Leishmaniose  cutânea (LC)  ou  tegumentar,   pela coloração de Giemsa ou Hematoxilina e Eosina em   eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,
                                                                                              Coordenação-Geral  de Desenvolvimento  da Epidemiologia em
       Leishmaniose   visceral   (LV)   e   Leishmaniose   material de biópsia (histopatologia), porém apresenta   Serviços. – 3 a. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
       mucocutânea  (LMC).  Mais  de  90%  dos  casos  de   sensibilidade limitada e não permite a identificação de   Burza S, Croft SL, Boelaert  M. Leishmaniasis.  Lancet.
       LV  são  relatados  no  Brasil.  A  LV,  comumente   espécies de Leishmania. O cultivo in vitro de Leishmania   2018;392(10151):951-970.
                                                                                                Hong A, Zampieri RA, Shaw JJ, Floeter-Winter LM, Laranjeira-Silva
       denominada calazar, é a manifestação  sistêmica da   é feito a partir do tecido biopsiado e sua sensibilidade   MF. One health approach to leishmaniases: understanding the disease
       doença,  caracterizada  por hepatoesplenomegalia   pode depender da espécie do parasito, da carga   dynamics through diagnostic tools. Pathogens. 2020;9(10):809.
                                                                                                Reimão JQ, Coser EM, Lee MR, Coelho AC. Laboratory diagnosis
       e  anemia,  podendo  ser  fatal  em  95%  dos  casos  se   parasitária  no tecido, meios de cultura empregados   of cutaneous and visceral leishmaniasis: current and future methods.
       não  tratada;  a  coinfecção  com  o  HIV  é  relatada  em   e leva  vários  dias para  o crescimento.  Os métodos   Microorganisms. 2020;8(11):E1632.

             Alerta                  Ministério da Saúde alerta que faltará

                                  medicamentos para hanseníase no Brasil

           A Coordenadoria Geral  de Doenças  em                                              para casa  sem  medicação.  Impressionante para
        Eliminação (CGDE) do Ministério da Saúde alertou,                                     uma doença milenar  e que não deveria  chegar a
        hoje, em webinário com serviços públicos de                                           este ponto. Espero que possamos estar em breve,
        saúde das regiões Sul e Sudeste que a falta de                                        como  país,  com  autossuficiência  na  produção  de
        medicamentos para tratamento  da hanseníase  no                                       medicamentos novos e de qualidade para os nossos
        país vai ser agravada. O problema vem acontecendo                                     pacientes”, concluiu Salgado.
        desde  o começo do  ano em várias localidades                                           A hanseníase é uma doença transmitida por
        brasileiras, conforme denúncias de hansenologistas                                    bacilo que afeta os nervos.  O paciente pode
        à Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH).                                         perder a sensibilidade e os movimentos. No Brasil,
           “Desde  o  início  dos  problemas, solicitamos   hanseníase) ao Brasil. Salgado explicou que como os   a doença é diagnosticada tardiamente – é comum
        ao Ministério da  Saúde  a  disponibilização dos   estoques nacionais estão zerados, pacientes terão de   o  paciente  receber  o  diagnóstico  depois  de
        esquemas substitutivos para atender aos pacientes   contar apenas com o que há nos estados e municípios,   conviver muitos anos com o bacilo e já apresentar
        em tratamento e novos diagnósticos – 30 mil novos   sem perspectiva de reposição.     sequelas incapacitantes e irreversíveis  –  por  falta
        casos  são  notificados  a  cada  ano  no  país”,  diz  o   “Lamentável  a situação da falta de PQT.   de  investimentos  em  formação  dos  profissionais
        dermatologista  e  hansenólogo  Claudio  Salgado,   Lamentável  também o país com a maior taxa de   de saúde e capacitação dos serviços de atenção
        presidente da SBH.                        detecção de casos novos no mundo ficar refém desta   básica à saúde. O tratamento, porém, é oferecido
           Segundo a CGDE, a Organização Mundial   situação. Uma pena. E quem sofre mais com a situação   gratuitamente pelo Sistema único de Saúde (SUS).
        de  Saúde (OMS)  teve novos problemas com  a   é o paciente, que fica com a relação com o sistema e   A SBH estima que os números reais  de casos
        produção dos medicamentos e não há perspectiva   com os médicos assistentes muito prejudicada. Estou   novos no Brasil sejam de 3 a 5 vezes maiores do que
        para a chegada de  novas remessas de  PQT   sentindo na pele isso com pacientes que atendo no   a média de notificação anual, que gira em torno de
        (Poliquimioterapia utilizada no tratamento  da   serviço de  referência do  Pará e que  estão voltando   30 mil casos/ano.
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